quinta-feira, 6 de setembro de 2018

“Torna-te Quem Tu És” – o desafio da autenticidade em Nietzsche

Nietzsche nos dá um conselho*: “torna-te quem tu és”.

 Mas o que isso quer dizer? 


Seria possível uma revelação de um “eu” oculto? Não… o que existe é uma variada gama de experiências, situações, acontecimentos, ou, para resumir em apenas uma palavra: perspectivas.
Tornar-se quem é implica em, antes de mais nada, reunir um grande número de vivências. Explorar aquilo que se é torna-se então o primeiro passo. Significa afirmar conhecer as forças que o constituem, que querem dominar e crescer. Trata-se, em Nietzsche, sempre de uma afirmação mais forte que a negação. O explorador afirma a si mesmo jogando-se no mundo.
Imagem relacionada
“Torna-te quem tu és”, ou seja, aproprie-se das forças que o constituem, tome parte no movimento de auto-superação em curso constantemente dentro de si. O homem é um ponto do universo onde uma enorme quantidade de forças se concentram e se atravessam e por fim transbordam, uma roda que fia por si mesmo. Por isso é preciso afirmar-se de tal modo que se possa ir sempre no limite de si, expandindo-se. A expansão vem do cultivo das vivências, do cuidado e da prudência de digerir e compreender o que nos acontece. É um processo que exige atenção e prudência. Cultivar-se é fazer crescer as forças que nos habitam e podar as ervas daninhas que insistem em crescer no meio de nós.
Seguindo por este caminho: vivências e cultivos, as condições estão dadas. É preciso apenas jogar o jogo, ou talvez jogar-se no jogo. Escolher os remédios certos, estar sempre atento para seus próprio estados. Ser o senhor de sua grande saúde e, talvez mais importante, de sua doença. Para Nietzsche, conhecer a si próprio é cuidar de si próprio, exercitar-se nesta arte. Observar seus sintomas de decadência, elaborar um diagnóstico preciso e prescrever os remédios no hora certa. 
Quem sou eu? Ora, é impossível responder porque o tempo todo é preciso tornar-se quem se é! Quem ou o que somos? Um destino! Somos o conjunto de forças que precisa o tempo todo elevar seu grau de afirmação até o limite, tornando-se necessariamente diferente neste processo.
Resultado de imagem para torna-te quem tu ésQuanta verdade suporta um espírito para a resposta mais direta possível? Pois bem, não somos nada! Somos este caos que se perde nas bordas de si mesmo, um animal na jaula, somos as ondas que batem contra o rochedo, somos o deserto que se esparrama em um mapa de afetos, por onde os ventos cruzam e as dunas se movem. O homem deve aumentar o número de horizontes, e aprender a conjugar a verdade sempre no plural, criar e povoar seus desertos. Ele mesmo deve ser o porta-voz da multiplicidade. Porque, afinal, é disto que ele é feito!
Deixar de negar-se, deixar de iludir a si mesmo, deixar de se repartir e se esconder. “Sou fraco, sou um pecador, sou um fracassado, não posso fazer nada”, em que mundo essa afirmação poderia ser nietzschiana? Não! É necessário lutar contra a gravidade, deslizar, dar fluência. O eu é uma ilusão criada pela precária hierarquia interna do corpo. 
Mas estas forças que nos constituem estão constantemente pressionando, arrastando, empurrando o homem de um lado para o outro. Quem crê no sujeito são os fracos. Tornar-se quem se é significa transvalorar os valores, escolher outros, novos, brilhantes. Encontrar um modo de vida propício ao aumento de suas próprias forças vitais. 
Imagem relacionadaA grande preocupação de Nietzsche é que a afirmação precisa ser completa. Afirmar a si mesmo é também afirmar as condições do universo que tornaram as forças ativas possíveis. Neste sentido, arrepender-se é errar duas vezes. É preciso, antes de mais nada, dizer sim até para o que deu errado. Cada negação é uma semente para o Ressentimento. Digerir o tempo, aprender a necessidade do que foi. Um sim sempre se multiplica na cadeia de eventos que o possibilitou.

O resultado desta máxima que o filósofo nos prescreve é vencer o ressentimento, deixar de apontar o dedo na cara dos outros procurando culpados. Deixar de apontar o dedo para si mesmo, buscando ferir-se. Não, é preciso criar novos valores para tornar-se o que se é. É preciso estar sempre alerta, em estado de guerra, tornar-se guerreiro e preparar-se para a batalha constante. O conhecimento de si não pode acontecer sem um cuidado de si, que permite um crescimento contínuo, um vir a ser infinito. Fazer de inimigos aliados, aprender a navegar nas tormentas.

Primeiro princípio: temos de precisar ser fortes: senão nunca nos tornamos fortes” (Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos). 

Podemos apenas dar algumas coordenadas, mas o caminho deverá ser traçado por cada um. Primeiro as vivências, é preciso um punhado de vivências para saber compreender cada vez mais aquilo que se é. Mas não é apenas de vivências que vive o ser humano, estas precisam ser cultivadas, para que cresçam, para que a parte mais forte de nós nos mostre caminhos e possibilidades. 
Imagem relacionada

Em face disso tornamo-nos um destino, a própria força em nós gera a diferenciação. O passado, o presente e o futuro se fundem, não há mais um ponto de chegada. A grande saúde é este tornar-se o que se é. Esta é a maior afirmação possível, é a redenção da realidade, a possibilidade de transvaloração de todos os valores, é o grande e esperado Sim que a vida aguarda e recebe exultante.

Uma longa travessia por vales e montanhas permite ao homem ter direito a si mesmo, conquistar-se! Esta é, diz Nietzsche, a única maneira de “tornar-se quem se é”, passando por uma enorme gama de experiências, de acontecimentos que desdobraram o homem nas mais variadas formas.

Resultado de imagem para nietzsche cavaloHá aqui uma grande experiência de vida que provém das andanças do espírito livre que atravessou muitas vivências! Pinta-se aquilo que se é com a tinta das experiências na paleta das vivências. E quantas vezes não foi preciso abandonar algo? Mas agora tudo retorna! Apenas este desprendimento incondicional nos deu abertura para novas possibilidades! 

E quando sabemos que chegamos?  Somente quando a mais pesada das tarefas se torna leve é que sabemos que chegamos. E, enfim o “assim foi”, transmuta-se em “assim eu quis”. O homem de muitas experiências e de muitas vivências é aquele capaz de cultivar seus próprio solo, agora fértil o bastante para dar frutos! Mergulhar na existência como maneira de superá-la, mas ainda dentro dela. Entre vivências e andanças, o homem cultiva a si mesmo**.

"Um homem que vingou faz bem a nossos sentidos; ele é talhado em madeira dura, delicada e cheirosa ao mesmo tempo. Só encontra sabor no que lhe é salutar; seu agrado, seu prazer cessa, onde a medida do salutar é ultrapassada. Inventa meios de cura para injúrias, utiliza acasos ruins em seu proveito; o que não o mata o fortalece“ 
 (Nietzsche, Ecce Homo)

desejo felicidadeS🙈🙉🙊
'MEMENTO MORI'💀

*O que diz sua consciência? – ‘torne-se aquilo que você é’” – Nietzsche – Gaia Ciência, §270
**Nietzsche  -“Torna-te quem tu és” , texto de Rafael Trindade – Extraído do site Razão Inadequada - adaptado)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você pode se interessar também: