Edgar Morin (1973) apresenta-nos a dialógica do sapiens/demens. O Homo demens é a face escondida, oculta, pelo sapiens. Ambos reúnem, no ser humano, suas ambivalências que contêm, como ressaltam Morin e Kern (2002, p. 141), “[...] fraquezas, misérias, carências, crueldades, bondades, nobrezas, possibilidades de destruição e criação, consciência e inconsciência [...]”.
Dessa forma, posso dizer que o homem da racionalidade é também aquele homem pleno de afetividade, que pode assumir um lado de delírio, o demens.
E essa complexidade envolve outros Homo (2000b):
Homo faber (homem do trabalho),
Homo ludens (homem do jogo),
Homo empiricus (homem empírico),
Homo imaginarius (homem imaginário),
Homo economicus (homem da economia),
Homo consumans (homem do consumismo),
Homo prosaicus (homem prosaico) e
Homo poeticus (homem poético), que é o do fervor, êxtase, amor, participação.
Porém, gostaria de salientar que não podemos deixar esses Homo caírem na idéia simplista de serem, por exemplo, 50% um e 50% outro, ou ainda considerar outras porcentagens na tentativa de quantificar a população de seres invisíveis que nos habitam, pois, como esclarece Morin (2002a), não há fronteira entre os Homos sapiens e demens, o que quer dizer que possuímos essas duas polaridades, não existindo fronteira entre as duas.
Por isso Edgar Morin diz que é sistemático demais definir que possuirmos um sapiens ou dois, em nossa autodenominação; é preciso acrescentar
um demens, ficando: Homo sapiens sapiens demens, o que mostra o quanto somos
descomedidos, loucos. Todo homem é duplo: ao mesmo tempo que é racional
apresenta certa demência.
"A
ideia que se possa definir homo, dando-lhe a qualidade de sapiens,
isto é, de um ser razoável e sábio, é uma ideia pouco razoável e pouco
sábia. Homo é também demens: manifesta uma
afetividade extrema, convulsiva, com paixões, cóleras, gritos, mudanças brutais
de humor; traz em si uma fonte permanente de delírio; crê na virtude de
sacrifícios sangrentos; dá corpo, existência, poder a mitos e deuses da sua
imaginação.
Há no ser humano um salão permanente de Ubris, a
desmesura dos Gregos. A loucura humana é fonte de ódio, crueldade, barbárie,
cegueira. Mas sem as desordens da afetividade e as irrupções do imaginário, sem
a loucura do impossível, não existiria entusiasmo, criação, invenção, amor,
poesia.
Do mesmo modo, o ser humano é um animal não só insuficiente em razão
mas também dotado de sem-razão. Todavia, temos necessidade de controlar o Homo
Demens para exercer um pensamento racional, argumentado, crítico,
complexo. Temos necessidade de inibir, em nós, o que demens tem
de mortífero, mesquinho, imbecil, perverso, erótico, transgressor.
Temos
necessidade de sabedoria, que nos pede prudência, temperança, cortesia,
desprendimento. Prudência, sim; mas não será a prudência a esterilizar as
nossas vidas ao evitar o risco a todo o preço? Temperança, sim, mas será
necessário evitar a experiência da «consumação» e do êxtase? Desprendimento,
sim, mas será necessário renunciar aos laços da amizade e do amor?
O mundo
em que vivemos é, talvez, um mundo de aparências, a espuma de uma realidade
mais profunda que escapa ao tempo, ao espaço, aos nossos sentidos e ao nosso
entendimento. Mas o nosso mundo da separação, da dispersão, da finitude, é
também o da atração, do encontro, da exaltação.
Estamos completamente imersos
neste mundo que é o dos nossos sofrimentos, das nossas felicidades e dos nossos
amores, das nossas ausências, das nossas carências. Não sentir é evitar o
sofrimento mas também o regozijo. Quanto mais aptos estamos para a felicidade
mais aptos estamos para a infelicidade.
O Tao-tö-Kungdiz
precisamente:
«a infelicidade caminha de braço dado com a felicidade, a
felicidade deita-se aos pés da infelicidade.»
Estamos
condenados ao paradoxo de conservar em nós, simultaneamente, a consciência da
vacuidade do nosso mundo e a da plenitude que nos pode trazer a vida, quando
quiser ou puder.
Se a sabedoria nos pede para nos desprendermos do mundo da
vida, será ela verdadeiramente sábia? Se aspiramos à plenitude do amor, seremos
nós verdadeiramente loucos?"(MORIN 2012)
Em 1994, Edgar nos convocava a assumir Sísifo como guia imaginário para nossas ações. Como se sabe, Sísifo foi condenado por Zeus aos Infernos, tendo como castigo rolar um rochedo até o alto de uma montanha, de onde a pedra sempre voltava a cair, em virtude de seu próprio peso. Essa tarefa que nunca dava descanso ao herói, nem lhe permitia fugir de seu vaticínio, deve ser a tarefa de todos aqueles que ainda acreditam que o caleidoscópio de suas vidas e suas ideias vale para alguma coisa.
desejo felicidadeS🙈🙉🙊
'MEMENTO MORI'💀
Daniel Bastos
Fonte:
MORIN, Edgar: Amor, poesia, sabedoria. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
______. O método 5: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2012.
CARVALHO, Edgar de Assis. "Edgar Morin, a dialogia
de um Sapiens-demens, Publicado originalmente em MARGEM, SÃO PAULO, No 16, P. 167-170, DEZ. 2002.
PADILHA, Tarcísio. Conferência proferida no Ciclo “Razão e Espiritualidade” da Academia Brasileira de Letras, em 29 de agosto de 2006.
http://mariliacoltri.blogspot.com/2012/08/edgar-morin-dialogia-de-um-sapiens.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário