Urbi et Orbi*
“Tudo vai, tudo volta; eternamente gira a roda do ser. Tudo morre, tudo refloresce, eternamente transcorre o ano do ser. Tudo se desfaz, tudo é refeito; eternamente constrói-se a mesma casa do ser. Tudo se repara, tudo volta a se encontrar; eternamente fiel a si mesmo permanece o anel do ser. Em cada instante começa o ser; em torno de todo o “aqui” rola a bola “acolá”. O meio está em toda parte.
Curvo é o caminho da eternidade.” (Nietzsche)
“Tudo vai, tudo volta; eternamente gira a roda do ser. Tudo morre, tudo refloresce, eternamente transcorre o ano do ser. Tudo se desfaz, tudo é refeito; eternamente constrói-se a mesma casa do ser. Tudo se repara, tudo volta a se encontrar; eternamente fiel a si mesmo permanece o anel do ser. Em cada instante começa o ser; em torno de todo o “aqui” rola a bola “acolá”. O meio está em toda parte.
Curvo é o caminho da eternidade.” (Nietzsche)
A arte Alquímica
A alquimia é uma ciência antiga, cujos
primórdios são incertos, porém encontrados ao longo de muitos anos e
civilizações, como uma arte.
As primeiras informações sobre esta
escola místico-ocultista de extraordinária importância aparecem nos primeiros
séculos após Jesus Cristo, quando ela era intensamente praticada pelos gregos e
árabes. Pouco a pouco, elementos de outras tradições (inclusive a Cabala
judaica e o misticismo cristão) foram a ela incorporados, enriquecendo muito o
conhecimento original alquímico, que parece estar ligado às tradições
herméticas e egípcias.
Os objetivos da realização do trabalho
alquímico são, entre outros, o processo simbólico de transformação de metais
inferiores em ouro – símbolo da iluminação e da purificação - e obter o elixir da vida, a pedra filosofal,
que garante a vida eterna, através da manipulação da prima matéria. Esse
processo era chamado de Magnum Opus (“A Grande Obra”), e envolvia várias
etapas, todas elas com evidente sentido simbólico.
A alquimia propõe, portanto, em sentido
esotérico, um processo de transmutação energético-espiritual. A mutação dos
metais inferiores (emblemas dos desejos e paixões terrenas) em Ouro (os valores
mais altos da espiritualidade, que conferem ao homem sua plena realização
interior).
Cosmic, arte de Geometria Sagrada de Daniel Martin Diaz |
"Alquimia é a transmutação de algo inferior em algo superior. Ela é a arte de manipulação das energias da vida. Ela é uma arte e, como tal, constitui o segredo da purificação e da elevação do corpo, alma e espírito de toda e qualquer substância dos três reinos da natureza. A Alquimia sempre foi vista mais como arte do que propriamente como uma ciência.
De fato, ela abarca elementos de ciências diversas como química, física, metalurgia, medicina, astrologia, farmacologia, semiótica, misticismo. No entanto, ela se mantém distinta devido ao seu caráter transcendental e mágico. Foi praticada em todo o mundo, há milênios por meio de uma complexa rede de escolas e sistemas filosóficos.
Os alquimistas utilizaram metáforas e termos da química para afastarem governantes e pessoas ambiciosas que procuravam os conhecimentos alquímicos somente para benefício próprio. A razão atual para o estudo da alquimia é a de se conectar novamente com as realidades espirituais fundamentais do universo, ante a aridez do materialismo e da tecnologia.
V.I.T.R.I.O.L The Cosmic Monad by TravisAitch |
Na abordagem alquímica, o ouro do
alquimista não é o ouro comum, mas um ouro espiritual interior. Nesse sentido,
as operações de alquimia são realizadas no laboratório interno do espírito e da
alma e não em laboratórios recônditos e camuflados." Esclarece de forma
esplendorosa Cirlene Magalhães.
No princípio tudo é o caos. Este caos primordial é análogo ao
conceito de prima matéria dos alquimistas. Ambos os conceitos se apresentam
como uma fonte de energia desordenada, cuja harmonização permite a obtenção de
um potencial incalculável.
Nasce como uma
ciência natural que busca a compreensão da própria natureza a partir de uma
especulação filosófica, como se pode ver já na filosofia pré-socrática no
século VI a C. É dela que nasce o conceito de prima matéria a partir da crença
de que o mundo tinha origem em uma única substância que era subdividida nos
quatro elementos terra, ar, fogo e água, os quais, segundo diferentes
recomposições faziam surgir todos os objetos físicos existentes no universo.
Esta idéia, a prima matéria, teve sua evolução, chegando com Aristóteles a ser
considerada como pura potencialidade, que em seguida adquire forma, quando é
atualizada na realidade (SANTOS, 2013).
Gravura de Camille Flammarion, da obra "L'atmosphère, météorologie populaire" de 1888 |
Ricardo Assarice [1] de onde veio a
base desse tratado se valeu do método de amplificação. Ele
diz que: "para Chaise e Viana (2011), o método de amplificação foi
introduzido em 1912 na psicologia por Carl Gustav Jung em seu livro Símbolos da
Transformação (JUNG, 1986). A compreensão dos aspectos religiosos e
simbólicos na psique se mostram, portanto, de grande importância.
O Circumponto |
“A amplificação consiste
simplesmente em estabelecer paralelos” (JUNG, 2008).
Parece que vida, morte e ressurreição,
são então, etapas arquetípicas do desenvolvimento psico-espiritual, no qual,
para atingir um novo nível de consciência, é necessário realizar sacrifícios e
abdicar dos antigos paradigmas da consciência, se integrar, mudar e melhorar.
Eram estes sacrifícios que permeavam a
vida dos antigos (e dos contemporâneos) alquimistas, que buscavam, em seus
laboratórios, a obtenção da pedra filosofal, do elixir da vida.
Von Franz (1993), afirma que Jung
introduz a alquimia na psicologia através de seu livro Psicologia e Alquimia. O
autor começa a estudar a alquimia e logo entende que as imagens e os textos que
esses autores produziam se pareciam muito com a ciência que ele próprio
desenvolvia e acreditava. Nas palavras de Jung:
"Todo procedimento alquímico (...) pode muito bem representar o processo de individuação. (...) É tarefa muito difícil e ingrata a tentativa de descrever o processo de individuação. (...) A Alquimia realizou para mim o grande e inestimável serviço de fornecer o material (...) que me possibilitou descrever o processo de individuação, ao menos em seus aspectos essenciais."
"Cedo percebi que a psicologia
analítica coincidia de modo bastante singular com a alquimia. As experiências
dos alquimistas eram, num certo sentido, as minhas próprias experiências, assim
como seu mundo era meu mundo." (2006, p.205)
A partir daí, traçou diversos paralelos
entre as metáforas alquímicas com o processo que denominou
individuação. Na individuação, a psique humana precisa vivenciar, mesmo
que em planos oníricos, personalidades complementares, cujas orientações muitas
vezes sejam contrárias àquelas conscientes, trazendo ao sonhador, novos e
diferentes pontos de vista que facilitam uma compreensão mais panorâmica de si
mesmo.
Anima [2] (natureza feminina no homem) e
animus [3] (natureza masculina na mulher) seriam então os aspectos
complementares de gênero na psique. Em seguida temos persona e sombra.
“A partir de Jung, o conceito de
‘persona’ significa mais precisamente o eu social resultante dos esforços de
adaptação realizados para observar as normas social, morais e educacionais de
seu meio. A persona lança fora de seu campo de consciência todos os elementos –
emoções, traços de caráter, talentos, atitudes – julgados inaceitáveis para as
pessoas significativas do seu meio. Esse mecanismo produz no inconsciente uma
contrapartida de si mesmo que Jung chamou de ‘sombra”. (OCANÃ, 2008, 04)
A sombra pode ser caracterizada como negação. Na sombra é
personificado tudo aquilo que se tem resistência ou dificuldade para assimilar
como próprio. A sombra é o amargurado ou reprimido que clama por
expressão.
"Não podemos ter a experiência completa da luz sem conhecer a escuridão. O lado sombrio é o porteiro que abre as portas para a verdadeira liberdade.Quer você goste ou não, sendo humano, você tem uma sombra.” (FORD, 1998, 23).
O processo de individuação tem como finalidade paradoxal aproximar o homem da idéia de divino através da aproximação do homem com sua própria natureza.
A noção cíclica e de equilíbrio é presente na percepção
holística de C. Jung no que diz respeito à compreensão do psiquismo e seus
pares de opostos complementares. Talvez a melhor frase que ilustra essa
concepção é do próprio Jung, que diz:
“que qualquer árvore que queira tocar os
céus precisa ter as raízes tão profundas capazes de tocar os infernos”.
"Ouroboros" de
Brenda Erickson
|
"O que está em cima é como o que está embaixo. O que está embaixo é como o que está em cima."
(Princípio da Correspondência – O Caibalion)
A associação com a figura do Ourobóros
é facilmente realizada. Na imagem vemos a serpente que morde a própria cauda
contendo e envolvendo a árvore que atinge ambas polaridades.
O texto alquímico “Chrysopoeia de
Cleópatra”, datado do século III, está grafado com o os dizeres
‘hen to pan’, em tradução livre: “o um é o todo” além de uma imagem de uma
cobra, metade branca, metade preta, mordendo a própria cauda.
Ouroboros Ilustração com as palavras: ἕν τὸ πᾶν, hen to pān ("O Um é o Todo") da Chrysopoeia de Cleópatra |
Novamente a figura circular ofídia como uma dinâmica polarizada,
cíclica que se integra tornando-se Um. O Ourobóros de Chrysopoeia poderia
ser interpretado como o equivalente ocidental do símbolo taoista Yin-Yang.
“O Ourobóros é um símbolo dinâmico para a integração e
assimilação de opostos, i.e., da sombra... Simboliza o Um, que resulta no
conflito do opostos, e portanto constitui o segredo da prima matéria...” (JUNG,
1976, 365)
Esta é uma imagem arquetípica bastante rica, contextualizado sob
o paradigma de integração, ou conjunção, de aspectos opostos. Fica evidente que
a figura representa não só a união dos opostos complementares da psique como
todo o potencial do processo alquímico.
Chrysopoeia, Codex Marcianus Graecus |
O processo alquímico é cíclico, e, assim como o processo de individuação, exige um constante processo de atuação do indivíduo para com seus conteúdos, processo este que Jung define acontecer por toda a vida. A mesma metáfora pode ser utilizada para definir o Ourobóros, um processo cíclico e constante, que representa a integração de opostos e a volta para a unidade.
O Ourobóros é a resolução do conflito dialético atingido na busca da Individuação a unidade da separação, ou solve et coagula (dissolve e solidifica), representando metaforicamente todo o processo da opus alquímica. É uma símbolo presente em diversas esferas sociais e religiosas. A imagem revela o paradoxo do infinito, onde tudo se inicia em seu próprio fim, e acaba em seu próprio começo
A individuação, portanto, diz respeito ao processo cíclico de
integração dos opostos psíquicos para transcender e atingir um contato mais
significativo com suas essências e se aproximar do arquétipo divino, o Si-mesmo
(Self), e está intimamente ligada com os processos e etapas alquímicas.
3 metas do alquimista:
*cessação do tormento da separação dos gêneros (Andróginos, rebis),
*fixação do volátil,
*assunção do ponto central /Centro.
Composição química do corpo humano adulto:
35 litros de água, 20 quilos de carbono, 4 litros de amônia, 1,5 quilo de cal, 800 gramas de fósforo, 250 gramas de sais, 100 g de nitrogênio, 80 g de enxofre, 7,5 g de flúor, 5 g de ferro, 3 g de silício e mais quantidades variadas de 15 outros elementos químicos.Lei da conservação da massa.
Seria a mesma ‘lei da troca equivalente’? A base da alquimia: se quiser obter alguma coisa tem de pagar um preço à altura.
A Grande Obra é caracterizada por três partes:
o Nigredo, o Albedo e o Rubedo.
É lhes atribuída uma cor, tendo-se
assim o Preto, o Branco e o Vermelho, respectivamente.
O Magistério Alquímico:
“Separação” (Initio) – Nigredo. Símbolo: Corvo.
“Destilação” (Medius) – Albedo. Símbolo: Águia.
“União” (Finis) – Rubedo. Símbolo:
“Separação” (Initio) – Nigredo. Símbolo: Corvo.
“Destilação” (Medius) – Albedo. Símbolo: Águia.
“União” (Finis) – Rubedo. Símbolo:
Os
Três Princípios de Paracelso
Mercúrio: qualidade
da volatilidade.
Enxofre: qualidade
da untuosidade.
Sal: qualidade
da estabilidade.
"Nigredo,
Albedo e Rubedo" de Thomas Norton em 'Ordinal of Alchemy', 1477
|
"O visível esconde o invisível,
mas apesar disso
conseguimos o
invisível
apenas através do visível."
Para Jung (2008), a manipulação da prima matéria, correspondente
aos aspectos inconscientes dissociados. O alquimista tem que realizar a Opus
Alquimica, que corresponde ao processo de individuação, transformando seus
conteúdos internos e os trazendo a luz da consciência.
The Italian Alchemy, illustrazione di Matteo Morelli |
Esse processo acontece
através de três (podem ser quatro) momentos alquímicos e psíquicos: nigredo,
albedo, rubedo. Vale a pena frisar que as metáforas alquímicas compreendem um
vasto simbolismo, que varia entre os alquimistas e pesquisadores, porém todos
resultam no mesmo objetivo: a obtenção da pedra filosofal.
Dentro destes momentos, pode-se dividir a Opus em diferentes
estágios, que variam dentro do arcabouço alquímico, mas que neste trabalho,
será utilizado as definições de Hauck (1999), podendo ser resumidas em sete
estágios de transformação: calcinação, dissolução, separação, conjunção, fermentação, destilação e coagulação.
Esta imagem mandálica é um clássico da alquimia medieval, ela foi primeiramente publicada em 1959 pelo alquimista alemão Basil Valentine, e representa o conceito de Azoth.
“Azoth era
considerado como um remédio universal, ou solvente universal utilizado na
alquimia. Seu símbolo era o caduceu; o termo, que foi originalmente um nome
para uma fórmula oculta necessária para os alquimistas parecida com a pedra
filosofal, se tornou uma palavra poética para o elemento mercúrio, o nome é
proveniente do Latim Medieval, uma alteração de “azoc”, sendo originalmente
derivado do árabe “al-zā'būq”, que significa “o mercúrio”.” [tradução
livre]
Esta imagem irá nos
guiar frente ao simbolismo utilizado na metáfora alquímica. Já que o símbolo seria então a ferramenta principal da psique para se manifestar e se transformar, e que, as religiões, são carregadas destes símbolos que ajudam o homem a se religar com o divino, ou com seu próprio self.
No centro da imagem
temos o homem, alquimista. A sua direita, um rei, princípio masculino, solar, a
sua esquerda uma rainha, princípio feminino, lunar. A dicotomia já nos é
evidente, sugerindo que a integração destes aspectos seriam necessários para
atingir a Opus.
Podemos notar a
presença dos quatro elementos, como manifestação quaternária do todo,
associados à tipologia junguiana. Vemos na imagem, o pé direito do homem na
terra, seu pé esquerdo na água, sua mão direta segurando uma tocha, associada
ao fogo, e sua mão esquerda segurando uma pena, associada ao elemento ar.
Há
também os triângulos adjacentes a roda, representando a manifestação trina do
corpo, alma e espírito. Na parte superior da
figura, é possível ver uma estranha figura alada, que pode ser associada com o
disco solar egípcio ou o topo do caduceu de Hermes, analisado
anteriormente. Existe uma série de simbolismos na imagem, como por exemplo o
leão sob o rei, a salamandra em chamas e os pássaros da roda, porém seria
necessário um outro post apenas para interpretá-los.
Por fim, temos a
circular dos raios, associados com diferentes cores, que representam os
estágios alquímicos. Estes estágios serão nosso foco daqui pra frente.
O primeiro raio está
associado à calcinação, ou calcinato, intrínseca ao elemento fogo.
Para Hauck, esta etapa está psicologicamente associada a morte do ego e
destruição dos mecanismos de defesa, a extinção do interesse no mundo material,
e as respectivas ilusões associadas a este. Inicia-se o processo de
enegrecimento, podemos citar como ilustração desta etapa,"escuro e
nebuloso é o início de todas as coisas, mas não o seu fim",
frase de autor desconhecido.
"Calcinato" -
|
Para Masan (2009),
esta operação é realizada na Sombra, onde permanecem os desejos instintivos e
não integrados. O fogo está ligado com a frustração dos desejos, aspecto
natural do processo de desenvolvimento associado ao Si-mesmo.
“Os aspectos do ego
identificados com as energias transpessoais da psique (Self ou mesmo, o fogo
Divino) e utilizados para fins pessoais, sejam de poder ou de prazer, serão
calcinados. Quanto maior a dicotomia entre bem e mal, certo e errado, ou seja,
quanto maior a polarização desses aspectos neuróticos, mais longa será a
calcinação desses elementos, até que o fogo da própria culpa esvazia a balança
do julgamento por essa imagem punitiva e compensatória, representada pela ira
divina, enquanto imagem arquetípica constelada no psiquismo” (MASSAN,
2009, 26).
O segundo raio está
associado com a etapa de dissolução, ou solutio, representada pelo
elemento água. Psicologicamente dizendo, está atrelada com a quebra das
estruturas artificiais da psique, através da imersão no inconsciente, ou das
partes irracionais e rejeitadas. O elemento água como uma abertura das
comportas, e inundação de energias pessoais antes cristalizadas, dissolução de
aspectos fixos da personalidade.
“A operação
apresenta, no aspecto negativo e sombrio, um sentido de dissolução da matéria
diferenciada ou conteúdo do ego [...]. Por outro lado, em seus aspectos
superiores, onde ocorre à transposição de opostos, consolida-se o espírito, ou
seja, os aspectos transpessoais da pisque objetiva, o Si-mesmo. É o encontro
com o Numinoso, que reestabelece a saúde da relação ego-Self, salvando apenas o
que vale ser salvo, os conteúdos realmente alinhados com o Si-mesmo, e
redimindo os conteúdos comprometidos, derretendo-os ou reordenando-os em novas
estruturas” (MASAN, 2009, 14).
O terceiro raio diz respeito à
separação, ou separatio. É o momento de captar tudo aquilo que
sobrou das etapas anteriores e selecionar. É recuperar a energia congelada dos
hábitos e pensamentos cristalizados (pré-conceitos, crenças, fobias). Refere-se
à essência e energia separada das amarras da matéria. Esta psicologicamente
associada à escolha dos aspectos dissolvidos anteriormente, desapegando daquilo
que não mais apresenta valor psíquico, explicitando a essência e valores
espirituais, portanto, associado ao elemento ar.
"Artodyssey"
de Tomasz Alen Kopera
|
“Surge aí à
necessidade de dissecar esses conteúdos do inconsciente pessoal e coletivo e
realizar a escolha, a separatio, trazendo a consciência, através do ato de
julgar, uma vinculação com o Self. Isso requer um poder para arcar com o ônus
dessa escolha, uma desvinculação da necessidade de atender aos critérios do
outro, mas sim de ser fiel àquilo para o que aponta o Si-mesmo, da mesma forma
como não se pode servir a dois senhores, só que sem o domínio neurótico da
unilateridade” (MASAN, 2009, 25).
A conjunção,
ou coniunctio, é análoga ao quarto raio da figura. Conjunção é a
grande guinada do opus alquímico. Notemos que na figura, através do movimento
circular, existe o deslocamento das forças da alma (na direita), para o
espírito (na esquerda). Em nível pessoal, a conjunção é o fortalecimento do
nosso verdadeiro Self, a união dos aspectos masculinos e femininos de nossa
personalidade em um novo sistema psíquico. Esta etapa corresponde à ‘pequena
pedra’, ou o primeiro esboço do que seria a pedra filosofal atingida no final
da operação.
A interação das
polaridades (sol e lua).
"Rosarium Philosophorum", Séc XVI
|
“Conjunção pode ser
vista com a criação de um self superior e a conquista do que Carl Jung nomeou
de individuação, no qual o self fragmentado é reunido à um todo original. A
criação desta pessoa completa e harmoniosa significa que atingimos nosso máximo
no plano terrestre”. (HACUK, 1999, 162)
Associada então com
o elemento terra, a conjunção pode ser divida em duas sub-etapas, segundo
Masan: coniunctio inferior e superior. Na primeira, a união
dos opostos separados de forma imperfeita, resulta em algo que deverá ser
submetido a novos procedimentos.
Masan define que a coniunctio inferior
acontecerá sempre que o ego identificar aspectos inconscientes, como a sombra,
anima, ou mesmo o Si-mesmo (Self), através de uma perspectiva introvertida ou
coletiva. Essa identificação deve ser ‘purificada’, ou seja, eliminada,
redimida, para dar continuidade ao processo de individuação.
A coniunctio superior
representa a conjunção mor dos aspectos previamente impossíveis de serem
integrados. Após passar pelos estágios anteriores da Opus, a prima
matéria pode finalmente ter seus opostos complementados.
Andrógino,
representando a
natureza dual.
|
“Assim como na
alquimia, a psique, dentro do processo analítico, vai transformando-se, ora
dispondo-se num lado e ora de outro, no sentido das suas polaridades, até que
lhe seja capaz a absorção de uma terceira figura, gradativa e construída,
surgida de dentro da sua própria alma que lhe traduz essa expressão de
convivência com o dual.
A dissolução do conflito, gerado pelas dicotomias
neuróticas, concebe o cenário onde essa pedra, em cujo seio se fixa o espírito,
se manifesta. [...] O casamento Divino, que somente existirá se ali houver o
Amor, sua causa e seu efeito.
Enquanto na coniunctio inferior o amor é
concupiscente, aqui, na coniunctio superior, esse amor é transpessoal.
Revela-se no mundo como o altruísmo em seu sentido extrovertido e na psique, como
a conexão com o Si-mesmo, gerando a unidade”
(MASSAN, 2009, 34).
Masan apresenta o
Amor como uma das chaves para a integração psicológica dos opostos. Seria
insensato pensar em amor se associá-lo com o coração. A simbologia do coração é
estudada no livro “A Psique do Coração”, de Denise Ramos. A autora apresenta
mitos e imagens de culturas americanas que tinham como centro o coração, sendo
ele, em quase todas as histórias um ícone do sagrado ou oferecido ao sagrado.
"Tribal heart tree"
|
No capítulo “Elegias
Para Acalmar o Coração”, é somado às ideias de rezas para ‘abrir’ o coração e
permitir o esvaziamento do sofrimento com o preenchimento de Deus. No capítulo
“O Coração em Julgamento” é recapitulado toda a simbologia do coração no antigo
Egito, como este sendo um exemplar da alma do indivíduo.
Ainda nesse
mito egípcio, ao morrer, o coração era pesado numa balança, onde na contraparte
ficava a pena de Maat. Neste julgamento especial, se o coração
fosse mais pesado que a pena, ou seja, estivesse carregado das impurezas do
ego, não era permitido ao falecido integrar-se a completude.
Coração e pena na
balança em hieróglifo egípcio
|
No sub-capítulo “O
Lugar Secreto” é destacado o valor simbólico do coração na tradição hindu, e
como o coração está associado nestas culturas como o ‘lugar da consciência”,
sendo o Self em si, o lugar que o homem emana a si mesmo, um guia de luz.
Ainda segundo a
autora, Anãhata é a representação do chakra cardíaco no Tantra
Yoga, que une os chakras superiores com os inferiores, o Tantra Yoga tem como
objetivo alinhar e equilibrar as polaridades masculinas e femininas. Tal
equilíbrio acontece no coração, e quando acontece, o praticante da técnica
consegue ouvir o som ‘hum’ (ॐ), do vazio, que emana por todo o tempo e espaço.
Essas informações
aparecem no sub-capítulo “O Lugar do Som Universal”. Uma frase que pode
exemplificar o amor como via de integração das polaridades é a de Nietzsche:
“Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal”.
Hauck (1999)
sincretiza o processo alquímico da conjunção da seguinte
forma: “Psicologicamente, Conjunção é usar a energia sexual dos corpos
para transformação pessoal. Conjunção se ocupa no corpo no nível do coração”
(HAUCK, 1999,220). A próxima figura, é
uma foto tirada no dia 06/06/2013 no Elevado Presidente Costa e Silva, São
Paulo, conhecido também como “Minhocão”:
"Mais amor
por favor"
(ygormarotta.com/mais-amor-por-favor)
|
É possível perceber
inúmeras analogias com os temas tratados aqui. A expressão artística
urbana expressando a angústia de uma sociedade doente, cindida. Amor e
Ourobóros como resoluções arquetípicas coletivas.
Podemos perceber,
portanto, que apesar de todo o processo alquímico estar intimamente ligado ao
processo de individuação, a etapa de Conjunção é a que representa o ápice do
processo, que é a integração dos aspectos complementares.
A quinta etapa do
processo alquímico descrito por Hauck, observado na imagem é a fermentação. É a
introdução de uma nova perspectiva de vida, resultado da etapa anterior –
Conjunção – que é a ascensão para um novo estado de consciência, a transição
para um estado mental elevado.
Nesta etapa, existe a transição da nigredo para
a leukosis, resultando no aparecimento da cauda pavonis,
metáfora para imaginação ativa e ‘coloração da vida’, alguns autores definem
esse amarelamento (leukosis) e o aparecimento da “cauda pavonis” como uma
quarta etapa, entre o nigredo e albedo, enquanto
outros, definem apenas como um aspecto transitório entre estas duas etapas.
Representa psicologicamente a transição da psique para um estado mais conectado
com o espírito, ou na nomenclatura junguiana, Si-mesmo (Self).
cauda pavonis
|
O penúltimo raio é
análogo à etapa de destilação, ou destilatio. Neste estágio a
metáfora que se apresenta é o aumento da pureza, associado com a cor branca, ou
albedo. Psicologicamente, representa o esforço para que as impurezas do ego e
do id não sejam incorporadas no último estágio.
Representa a eliminação dos sentimentalismos
e emoções, ou ainda melhor, das paixões egoístas e infantis, aspectos que na
manifestação do verdadeiro Self, não são pertinentes, uma vez que se procura um
estado pleno de espiritualidade.
separación del espiritú atravez del vapor de la materia
(el mercurio de la sal) atraves de un equipo de
|
"Seus
pensamentos e sentimentos são os sentimentos e pensamentos do Universo
inteiro”, Esta declaração descreve o processo de destilação, onde [o
alquimista] se tornou muito mais interessado no bem maior do que apenas em seu
próprio.
É a fase de transformação onde estamos espiritualmente e
emocionalmente maduros o suficiente para fundir-nos com o inconsciente coletivo
sem sermos devastados pelo o que encontramos lá. A razão pela qual nós podemos
manter o nosso equilíbrio, depois de ter chegado à fase de destilação é que o
ego não nos controla e, portanto, podemos apreciar os mistérios do coletivo - e
pessoal - material da sombra, sem intromissão do ego.
Destilação traz o
criativo fora de nós. Ela incentiva tudo o que somos se manifestar em formas
equilibradas e serenamente poderosas. Ele anuncia a entrada da influência das
forças superiores e do equilíbrio dessas forças com os inferiores, que fornecem
firmeza, tão crucial para a totalidade” (SHANDERÁ, 2002).
O sétimo e último
estágio é chamado de coagulação, ou coagulatio. Representa a
ressurreição do espírito, materializado no corpo.
“A Coagulatio
é uma operação que expressa, pelas suas imagens, o processo de formação do ego
e sua ligação com os aspectos da vida, as forças ctônicas, através da vivência
da carnalidade no seu sentido mais amplo, construindo, pelas experiências, a
terra onde se lastreia o ego em seu caminhar e, logicamente, configurando, por
essas mesmas vivências, a relação do eixo Ego-Self” (MASAN, 2009, 34)
É a representação da
pedra filosofal, ou Grande Pedra, antes anunciada pela coniunctio.
O alquimista adentra o estágio derubedo, e pode “curar-se de todas as
feridas e enfermidades” (HAUCK, 1999, 140). Esta etapa é utilização da libido
dentro de sua forma plena, integrada com a impulsão da consciência para os
estados mais elevados do vir-a-ser.
O Inefável
|
“Vale ressaltar que
o desejo é o agente da coagulatio. Esta operação é necessária não para aqueles
que já se movimentam adequadamente dentro de sua libido, mas para aqueles
outros com uma inconsistência em seu querer e o temor de colocar os pés na
vida, com dificuldade, inclusive de sorver os cálices que ela dispõe. O
desenvolvimento do ego nestes casos passa pelo lugar dessa consciência e
realização do desejo, a fim de que haja a movimentação da energia psíquica”
(MASAM, 2009, 22).
Neste estágio, para
Hamilton (1985), é manifestada, no alquimista a vontade de encarnar na terra o
estado de consciência iluminado na mente e no corpo. É como se uma alma
desejasse ser ‘encorpada’ sem o senso de separação do seu estado puro original.
Só quando a alma está encarnada na psique que pode ser vivenciado o estado
espiritual de completude. A psique pode agora expressar as qualidades da alma e
da natureza. A frase no Evangelho que diz “assim na terra como no céu” ilustra com perfeição
este estado.
“Esta união do espírito / alma com o
corpo / mente, representa o final e mais importante casamento alquímico, o
objeto do amor místico. Desperta-se os Iluminados - Cristo, Buda, Santos,
etc. Isto significa que a consciência de Deus, ao nascer no mundo da terra,
percebe sua natureza divina conscientemente – como um indivíduo transcendental
e iluminado, num estado de unidade com o todo cósmico. Isso, então, é a pedra
filosofal que o alquimista procurava. É o grande ponto culminante da Grande
Obra” (HAMILTON, 1985, 8).
O homem que volta ao mesmo rio,
nem o rio é o mesmo rio,
nem o homem é o mesmo homem.
Esta suma de Heráclito define bem
a constante transformação do indivíduo
e denota como a transformação é
um aspecto presente, tanto no homem
quanto na natureza. As coisas fluem,
mudam, se transformam, transmutam,
transcendem;
|
Quando isso acontece, há uma mudança na
forma da pessoa encarar sua vida, fazendo-a manifestar, às vezes, alguns
“comportamentos místicos”, num sentimento de comunhão e harmonia com a vida.
Dá-se o paradoxo do infinito, onde tudo se inicia em seu próprio fim, e
acaba em seu próprio começo.
Ao atingir este estágio, o raio de
transformação se volta a terra, e é iniciado novamente o ciclo previamente
proposto, indicando que os estágios e transformações são processos eternos e
constantes, assim como a lapidação do Self, ou o processo de individuação
proposto por Jung, fazendo com que o alquimista volte à etapa de nigredo,
e continue seu processo.
Os símbolos podem nos ajudar, como uma
chave, a abrir as portas para o desconhecido, o inconsciente. Devemos ficar
atentos ao que nossa intuição nos mostra, aos caminhos que nosso coração
aponta. Tudo está interligado e o círculo, é só o começo.
Sou um homem que se devora?
Não, é que vivo em eterna mutação,
com novas adaptações
a meu renovado viver e
nunca chego ao fim de cada um
dos meus modos de existir.
Vivo de esboços não acabados
e vacilantes.
Mas equilibro-me como posso
entre mim e eu,
entre mim e os homens,
entre mim e o Deus."
(Clarisse Lispector)
Não tema suas transformações. Tenha muita paciência consigo, esse é um momento muito delicado e precisamos ser amorosos, gentis e compreensivos com nossos altos e baixos, com nossa luz e ainda com nossas sombras, para que esse processo possa ser mais tranquilo. Repito: não há o que temer.
Acredite, fazemos parte de um momento especial e jamais visto em todo o cosmo, e nós somos os protagonistas de tudo isso.
Confira aqui possíveis sinais que você pode
estar sentindo e não entende porque.
Notas:
*Latim: à cidade e ao mundo; a todo o universo.
*Latim: à cidade e ao mundo; a todo o universo.
[1] Ricardo Assarice é Psicólogo, Reikiano e Escritor. Inicialmente achei o texto num blog sem autoria. Depois descobri a autoria no site: https://www.deldebbio.com.br/parte-17-alquimia-individuacao-e-ouroboros-introducao/
[2]Anima: é o elemento feminino no inconsciente masculino. É a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique do homem – os humores e sentimentos instáveis, as intuições proféticas, a receptividade ao irracional, a capacidade de amar, a sensibilidade à natureza e, por fim, mas não menos importante, o relacionamento com o inconsciente.
[3]Animus: é o elemento masculino no inconsciente feminino. (...) Tal como a anima, o animus não consiste apenas de qualidades negativas como a brutalidade, a indiferença, a tendência à conversa vazia, às ideias silenciosas, obstinadas e más. Também apresenta um lado muito positivo e valioso; pode lançar uma ponte para o self por meio da atividade criadora. (...) O animus pode tornar-se um companheiro interior precioso que vai contemplá-la com uma série de qualidades masculinas como a iniciativa, a coragem, a objetividade e a sabedoria espiritual.
[#] Latim: "Reza, lê, lê, lê, rele, trabalha e descobrirás"
REFERÊNCIAS:
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CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro. Ed. José Olympo. 2008
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ELIADE, Mircea. Ferreiros e Alquimistas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.
FORD, Debbie. O Lado Sombrio dos Buscadores da Luz. Disponível em: http://dharmalog.com/2013/02/19/7-trechos-de-o-lado-sombrio-dos-buscadores-da-luz-de-debbie-ford-1955-2013-sobre-a-aceitacao-plena-de-nos-mesmos/. 14/05/2013
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JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
______Símbolos da Transformação. Petrópolis: Vozes, 2011.
______Psicologia e Alquimia. 5°ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
______Memórias, Sonhos, Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
______Psicologia e Religião Oriental. Petrópolis: Vozes. 1989.
______A Vida Simbólica. Obras Completas. Vol. XVIII/I. Petrópolis. Ed. Vozes. 2 Edição 1998.
______Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Obras Completas. Vol. IX/I. Petrópolis. Ed. Vozes. 2011.
MAGALHÃES, Cirlene. Alquimia – uma Introdução. Disponível em: <http://cirlenemagalhaes.blogspot.com/search/label/alquimia%20espiritual> acesso em 28/09/18 às 13:20
OCAÑA, Emma Martinez. A sabedoria de integrar a sombra. Disponível em: http://www.fundacao-betania.org/biblioteca/cadernos/pdf/Caderno_13_A_Sabedoria_de_Integrar_a_Sombra_Emma_Ocana.pdf. 14/05/2014
PELLEGRINI, L. Dicionário de Símbolos Esotéricos. São Paulo: Editora Três, 1995.
RAMOS, Denise Gimenez. A Psique do Coração: Uma Leitura Analítica de seu Simbolismo. São Paulo. Cultrix. 1990.
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SHARP, Daryl. Léxico Junguiano. São Paulo: Cultrix, 1997.
VON FRANZ, Marie Louise. A Alquimia: Introdução ao Simbolismo e a Psicologia. São Paulo: Cultrix, 1993
https://psicoterapiajunguiana.com/conceitos/processo-de-individuacao/processo-alquimico-montanha-dos-adeptos/
http://antharez777.blogspot.com/search?updated-max=2014-12-16T20:46:00-02:00&max-results=7&m=1
http://encyclopaedia.site44.com/Alquimia,%20uma%20introdu%C3%A7%C3%A3o.html
http://obviousmag.org/cha_e_prosa/2017/alquim.html
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