Conhecer é um ato de liberdade que tem de ser visto como ato
de crescimento, não que devamos conhecer de tudo para que possamos de tudo
saber. Não precisamos experimentar o vácuo para sabermos que vamos ficar sem
ar, o conceito em si mesmo já nos demonstra a realidade e onde vale ou não
conhecer pela experiência para validar as desconfianças do não saber.
Recentemente eu li "O Anticristo" de Friedrich
Wilhelm Nietzsche, uma paulada só no cristianismo. Antes de iniciar a leitura
eu estava com receio; receio de que o que eu leria—já sentindo pelo título—, me
colocaria diante de conceitos que poderiam me abalar na fé.
Fiquei impressionado com partes da obra de Nietzsche, que de
anticristo mesmo só tem—pelo menos até onde entendi—, um discurso contra a
instituição que se fez depois da Cruz. Acho que ele mais entendeu o Cristo que
muitos cristãos, e se dizendo "espírito livre"—como também intitulou
Jesus—se tornou um cristão dentro dos seus próprios conceitos.
Transcrevi algumas partes da obra onde ele fala sobre a
"Boa Nova" e de como ele vê o Salvador. Uma visão mais do que atual,
pois tenho visto nas suas pregações muita coisa relacionada com a liberdade do
"ser" que me parece ser um ponto de contato com o filósofo (me perdoe
se eu estiver enganado), e de como ele viu Jesus num contexto de iluminação.
Depois de ler e refletir, fui direto rever o filme "A
Paixão de Cristo" e percebi que em nenhum momento o Jesus apresentado por
Gibson expressa normas de conduta, regras e alegorias de punição. No filme ele
só fala e demonstra amor e tolerância, um Jesus bem mais real do que o que
vemos em certas igrejas.
Não sei como, mas o receio que tinha inicialmente de ler algo
aparentemente demolidor de fé se transformou em certeza inversa—e ainda, de que
Jesus é muito mais do que conseguimos alcançar. E também, não posso negar, que
o sentimento expresso por Nietzsche — "Não posso, neste momento, evitar um
suspiro. Há dias em que sou visitado por um sentimento mais negro que a mais
negra melancolia - o desprezo pelos homens" — anda rondando o meu coração.
Capa metafórica representa idéia no pensador |
Mas, Jesus se faz mais presente ainda quando nos diz que
devemos amar o próximo como a nós mesmos - e creio que ele sabia muito bem de
que este sentimento existe como esteio de certos entendimentos. Maior
"ELE" fica em meu coração quando percebo que a tarefa não é tão
simples como as palavras podem indicar.
Revendo o filme de Gibson, já pela enésima vez, ao final tive
um sentimento de que Jesus foi a maior denúncia que Deus fez sobre a
humanidade. Sua vida e morte foi a demonstração do vácuo espiritual em que
vivemos e no qual não podemos respirar. Pelo absurdo da Cruz fomos colocados
diante de nós mesmos onde a maior negação é a própria humanidade. E assim se
consumou e consumado está.
Diante de Jesus o que resta é este pleno desafio – amarmos
uns aos como ELE nos amou. A salvação está em deixar Pilatos com a sua própria
pergunta - o que é a verdade?...; pois somente ele poderia responder a si mesmo
esta questão. E o "espírito livre" de Friedrich Wilhelm Nietzsche já
deve ter encontrado aquele que lhe deu esta liberdade. (Por Ricardo Axer)
Alguns trechos de "O Anticristo"
XXXII Repito que me oponho a todos os esforços para
introduzir o fanatismo na figura do Salvador. A "Boa Nova" nos diz
simplesmente que não existem mais contradições; o reino de Deus pertence às
crianças; a fé anunciada aqui não é mais conquistada por lutas – está ao
alcance das mãos, existiu desde o princípio, é um tipo de infantilidade que se
refugiou no espiritual. Tal puberdade retardada e incompleta dos organismos é
familiar aos fisiologistas como sintoma da degeneração. A fé desse tipo não é
furiosa, não denuncia, não se defende: não empunha "espada" – não
entende como poderia um dia colocar homem contra homem. Não se manifesta
através de milagres, recompensas, promessas ou "escrituras": é, do
principio ao fim, seu próprio milagre, sua própria recompensa, sua própria
promessa, seu próprio "reino de Deus". Essa fé não se formula –
simplesmente vive, e assim guarda-se contra fórmulas.
XXXIII Em toda a psicologia dos Evangelhos os conceitos de
culpa e punição estão ausentes, e o mesmo vale para o de recompensa. O
"pecado", que significa tudo aquilo que distancia o homem de Deus, é
abolido - essa é precisamente a "Boa Nova". A felicidade eterna não
está meramente prometida, nem vinculada a condições: é concebida como a única
realidade - todo o restante não são mais que sinais úteis para falar dela. Os
resultados de tal ponto de vista projetam-se em um novo estilo de vida, um
estilo de vida especialmente evangélico. Não é a "fé" que o distingue
do cristão; a distinção se estabelece através da maneira de agir; ele age
diferentemente. Não oferece resistência, nem em palavras, nem em seu coração,
àqueles que lhe são opositores.
NOTAS:
1 - O
Anticristo é um livro que não merece ser julgado por seu título, uma vez que
não fundamenta suas críticas a Jesus Cristo, mas sim ao cristianismo. Escrito
em 1888 e publicado em 1895, é uma das mais amargas críticas aos valores
estabelecidos em dois mil anos de cristianismo. Nele, Nietzsche meche com as
bases do cristianismo ocidental, além de propor a “transmutação de todos os
valores”, o qual constitui no seu maior plano. São 62 capítulos durante os
quais mantém o tom agressivo com o intuito de desmascarar o cristianismo.
2 - A
trajetória de vida de Nietzsche ajuda compreender a motivações que
influenciaram na formulação de sua teoria. Friedrich Nietzsche, membro de uma
família religiosa composta por pastores luteranos, nasceu no ano de 1844 na
cidade de Rocken. Um menino cuja infância trágica, marcada pelo falecimento do
pai, pastor luterano, e do irmão, fez com que buscasse na literatura um refúgio
do sofrimento. Ganhou bolsa de estudos num colégio interno e dedicava-se à
teologia, uma vez que queria formar-se pastor em homenagem ao pai. Era
reconhecido por ser um homem a frente de seu tempo.
Porém, mais
tarde, abandonou a teologia e, contrariando a família, escolheu a filologia
clássica para especializar seus estudos. Foi reconhecido como doutor em
filosofia, sem nem mesmo ter um doutorado A partir de então, firmou-se
profissionalmente e publicou livros polêmicos. No ano de 1879 começou a sentir
fortes dores na cabeça e na vista que passaram a prejudicar sua leitura,
culminando no fim de sua carreira profissional. Sua irmã, Elisabeth, mercenária
e, aproveitando-se da doença do irmão, forjou seus escritos, vendendo-os à mais
perversa ideologia nazista. Foi internado em clínica psiquiátrica e,
solitário, não compreendia a indiferença que o cercava. Faleceu no ano de 1900
em Weimar.
A primeira
das três fases do filósofo foi influenciada pelos textos de Schopenhauer e pela
música de Richard Wagner, a partir do qual Nietzsche elabora sua teoria acerca
da “vontade de poder” a qual defende que o homem moderno deve ser tomado por um
impulso a fim de superar a si mesmo.
3 - No livro,
Nietzsche faz críticas à Paulo, o primeiro teólogo a inverter os valores de
nossa existência e combate o idealismo da metafísica platônica, fortemente
popularizada pelo cristianismo, além de classificá-la, juntamente com a
religião, formas ultrapassadas e culpadas pelo atraso da humanidade. Ele também
afirma a necessidade da criação de uma nova cultura, composta por novos
valores, que não seja fundamentada na literatura que trata Cristo a partir de
uma visão romantizada. Nietzsche ainda fala sobre o “além-homem”, um novo tipo
de homem capaz de conviver com suas limitações e superações; defende o fim do
império moral sobre a existência, afirmando que os valores devem surgir sem o
sentimento de culpa estabelecida pela moral cristã; critica a atitude do ser
humano de criar um Deus para preencher seu vazio existencial; defende
acirradamente o amor à vida, o único capaz de libertar do niilismo; demonstra
simpatia pelo budismo, entre outros inúmeros argumentos que contrariam o
cristianismo e todas as vertentes que ele tomou. Ele, contudo, não intensiona
conquistar seguidores e massificar seus pensamentos, mas sim fulminar tudo que
é cristão ou que está infeccionado pelo cristianismo.
4 - Para muitos
filósofos, Nietzsche constitui num paradoxo, uma vez que provoca,
simultaneamente, sentimentos de afastamento e de aproximação de sua filosofia.
A filosofia nietzschiana é também conhecida como “filosofia do martelo”,
destinada aos fortes capazes de encarar os sofrimentos e as alegrias da vida
sem a influência religiosa.
5 - As
aproximadamente 100 páginas que exigem atenção e dedicação do leitor por sua
nada branda compreensão, alastram o desabafo de um ateu inconformado em ver a
humanidade corrompida e derrubada por aquilo que considera a essência do
desmoronamento da humanidade, o cristianismo.
6 - Uma leitura
delicada, especialmente para o leitor cristão, deve ser tratada como uma obra
filosófica, dispensada de pré-julgamentos, e tomada como o relato de um homem
empenhado na evolução da humanidade. Mesmo após duzentos anos, uma obra atual
pelo fato de a moral e o ressentimento ainda estarem presentes no mundo
cristão.
desejo felicidadeS🙈🙉🙊
'MEMENTO MORI'💀
Daniel Bastos
Nietzsche, Friedrich. O Anticristo. Disponível em
[http://infojur.ufsc.br/aires/arquivos/anticristo.pdf].
https://lizterra.wordpress.com/2009/11/18/o-anticristo-de-friedrich-nietzsche/
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