A alquimia é uma fonte inesgotável de fascínio e encantamento. Nenhum tema intrigou tanto e tão profundamente os sábios de todas as épocas e latitudes como a transmutação dos metais. Grandes pensadores como São Tomás de Aquino ou Isaac Newton dedicaram-lhe todo o seu talento e sabedoria. A literatura e as artes abraçaram-na desde sempre. A ciência moderna tem vindo, enfim, a demonstrar que muitos dos seus antigos ensinamentos são afinal verdadeiros e rigorosos.
Tudo isto não significa, porém, que a arte de Hermes seja hoje um saber generalizado e facilmente acessível a todos ou que a Pedra Filosofal se tenha convertido numa espécie de bem do domínio público. Bem pelo contrário, a alquimia continua tão obscura e enigmática como nos tempos remotos de Hermes Trismegisto ou Maria a Profetisa.
A alquimia é uma arte divina, a mais valiosa das dádivas de Deus, e só deve ser praticada pelos adeptos sinceros e de coração puro. A sua Pedra Filosofal é a verdadeira quinta-essência universal, capaz de transmutar todos os metais em ouro; é também designada Medicina Universalou Panaceia, pois remove as causas últimas das doenças, e Fonte da Juventude, pois ela é o bálsamo da Natureza que rejuvenesce o corpo e prolonga a vida para além da sua duração normal – é aliás curioso sublinhar que todos os verdadeiros alquimistas tiveram vidas invulgarmente longas para as suas épocas.
Ora, é facilmente compreensível que um bem dessa grandeza não deva cair nas mãos erradas e que a alquimia seja por isso cuidadosa na ocultação dos seus segredos. «Tenho o mundo nas minhas mãos» é uma afirmação recorrentemente ouvida na boca dos poucos que conseguiram aceder ao milagre da transmutação. Conta-se que já em Junho de 1937, o escritor francês Jacques Bergier foi visitado por um estranho alquimista que, antes de ter desaparecido tão misteriosamente como surgiu, o alertou para os perigos da energia nuclear. Aliás, a desintegração do átomo e a investigação atómica foram já consideradas como uma «anti-alquimia» e a bomba atómica como «o oposto à Pedra Filosofal».
A arte alquímica inspirou numerosos livros, mas nenhum deles fala com clareza. Porque os adeptos sempre recearam as acusações de heresia ou os raptos por homens poderosos que os forçassem a produzir ouro, a simbologia desempenha um papel central nos seus escritos e imagens. Diz-se que estes textos «ocultam segredos abertamente», pois enquanto que os versados conseguem discernir o seu significado com clareza, todas as outras pessoas não vêem senão amontoados desconexos de palavras: para além dos símbolos caracteristicamente alquímicos, como o Leão Verde ou o Ouroboros, abundam os enigmas, os trocadilhos e assonâncias. É a chamada Linguagem dos Pássaros ou Linguagem Verde.
Vários filósofos herméticos têm sugerido um método que o estudioso sério pode utilizar como um fio de Ariane para encontrar um caminho através desta obscuridade labiríntica da linguagem alquímica: seleccionar os melhores livros; lê-los e relê-los, comparando os trechos onde eles concordam, pois aí há verdade para ser encontrada. Comparar também onde diferem e como diferem, pois mais descobertas serão feitas. Suspeitar sempre que eles pareçam falar com mais clareza e simplicidade; e meditar nas passagens em que são mais obscuros. Deste modo, o padrão da verdade emergirá gradualmente, tal como a marca de água de um papel colocado defronte da luz.
Só os livros, porém, não chegam. A teoria deve preceder a prática, mas a prática deve, por sua vez, testar a teoria. Apesar de alguns entendimentos em sentido contrário, como os de Jung ou Mary Ann Atwood, a verdade é que não pode haver alquimia sem operações físicas, tal como não pode haver peixes sem água.
O laboratório é o local onde o alquimista realiza essas operações e dele devem constar os aparelhos essenciais à realização da Grande Obra, designadamente o forno, designado atanor, o ovo filosófico e a tigela; e como o fogo do forno deverá estar permanentemente aceso, é também indispensável um tubo de evacuação e uma chaminé, sendo pois necessário que a divisão utilizada, que tanto pode ser a cozinha, a cave ou outra qualquer, possua tais equipamentos.
A esta divisão deve acrescer o oratório, lugar reservado às preces e à meditação – ainda que, por razões de espaço, nem sempre seja fácil instalá-lo. Note-se, aliás, que a palavra laboratorium é composta precisamente de labor e oratorium, pois o laboratório do alquimista é destinado em igual medida ao trabalho e à oração.
Um laboratório que acabou por se tornar célebre foi o do alquimista inglês John Kellerman, que Sir Richard Phillips descreveu no seu livro A Personal Tour Through the United Kingdom (1928). Phillips fala de uma casa isolada e extremamente desarrumada, repleta com os instrumentos e recipientes habituais. Apenas uma divisão era ocupada por Kellerman; todas as outras estavam fechadas a cadeado e tinham as janelas barricadas.
John Kellerman contou que tinha conseguido produzir ouro e que se tinha oferecido para pagar a dívida externa do país: uma oferta que o Lorde Liverpool recusou em nome do rei. Idêntica oferta tinha sido feita ao governo francês, que também recusou. Afirmou ainda que todos os governos europeus sabiam da sua descoberta e que já tinha sido alvo de várias tentativas de assassinato, pelo que tinha todas aquelas preocupações com a segurança pessoal e andava sempre armado. Pouco tempo após a visita de Phillips, Kellerman desapareceu misteriosamente e nunca mais foi visto.
John Kellerman não é um caso único. Os alquimistas são seres forçosamente tímidos, esquivos e discretos – o que, nos nossos dias de mediatismo desenfreado, pode parecer particularmente excêntrico. Muitos Autores formularam listas dessas e doutras qualidades que devem possuir os verdadeiros alquimistas e que os distinguem dos intrujões comummente chamados de assopradores – uma referência aos foles que eram utilizados para manter aceso o fogo nos laboratórios.
Um daqueles Autores foi Alberto o Grande, que resumiu no seu tratado De Alchimia as virtudes dos verdadeiros adeptos: ele deve ser discreto, calado e não revelar a ninguém o resultado do seu trabalho; ele deve morar sozinho numa casa isolada; ele deve escolher os dias e horas que lhe permitam trabalhar com discrição; ele deve possuir paciência, diligência e perseverança; ele deve realizar a obra segundo as regras previamente estabelecidas; ele deve usar apenas recipientes de vidro ou de barro envernizado; ele deve ser suficientemente rico para suportar as despesas da sua arte; ele deve evitar quaisquer contactos com príncipes e nobres.
Este último preceito é particularmente importante, pois a relação entre alquimistas e poder político foi sempre conturbada. Já em 144 a.C., o Imperador chinês emitia um decreto proibindo expressamente a produção de ouro, no que foi mais tarde seguido pelo Imperador Diocleciano de Roma em 296 d.C., pelo Papa João XXII na sua bula de 1317 ou por Henrique IV de Inglaterra no ano de 1403.
Esta perseguição secular aos alquimistas esteve também na origem das suas viagens constantes e Portugal, país místico por excelência, foi um ponto de paragem preferencial. O grande Paracelso, que aos 14 anos deixou a casa paterna e começou uma série interminável de viagens para conquistar os seus graus na «Universidade Universal», também por cá passou, talvez em 1518.
Outros alquimistas insignes como Arnaldo de Vilanova, Nicolau Flamel, Bernardo-o-Trevisano ou Raimundo Lúlio também deixaram a sua marca junto dos adeptos portugueses. O mais célebre destes será o «Rei Alphonso de Portugal», que surge referido como autor de dois tratados sobre alquimia e que se julga ser Afonso V: um rei culto, místico, cavaleiro e perdulário, que ficou a dever o seu cognome de O Africano às suas incursões contra os muçulmanos em África. Num desses textos, o rei sublinha o carácter cifrado e misterioso da linguagem alquímica e apela à discrição de todos quantos a consigam compreender.
Será então que todos estes escolhos devem demover os iniciantes da grande viagem alquímica? Sir Francis Bacon gostava de contar a este propósito a fábula do pai que deixou uma propriedade aos seus filhos dizendo que nela se encontrava um tesouro. Os filhos cavaram por todo o lado durante largas semanas sem nada encontrar, mas o campo assim trabalhado tornou-se muito mais fértil porque… era esse o tesouro! Ora, segundo este Autor, o mesmo sucede com a alquimia.
A Pedra Filosofal está em toda a parte e ao alcance de todos, ricos ou pobres. Aceder-lhe é mais simples do que parece, mas exige do viajante perseverança, humildade e um espírito aberto ao maravilhoso por detrás das coisas do quotidiano. Sujeitemo-nos por isso com paciência a esta provação, que é na realidade uma iniciação: «apressa-te lentamente, pois a precipitação é obra do Diabo».
Daniel Bastos
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