É uma
fofura sem fim. Na Páscoa, coelhinhos simpáticos e alegres aparecem em
desenhos, embalagens, pelúcias, esculturas e em formatos variados de doces,
inclusive o chocolate. O símbolo do coelho é, sem dúvida, um dos mais associados à data da Páscoa, apesar de não estar atrelado ao
significado cristão propriamente
atribuído a essa data, isto é, a Ressurreição
de Cristo.
Mas, se o animal, como a maioria dos mamíferos, não bota ovos, por que, então, se consolidou como um símbolo da maior festa cristã? Para compreender os motivos dessa associação e, mais, para compreendermos o porquê de o coelho ter a “função” de “trazer os ovos” – hoje em dia, de chocolates – da Páscoa, precisamos voltar no tempo.
A tradição do Coelhinho da Páscoa foi trazida para a América pelos imigrantes alemães, entre o final do século XVII e o início do século XVIII.
Uma das narrativas mais conhecidas do mundo conta que uma mulher pobre escondeu ovos coloridos num ninho para entregá-los aos filhos na manhã da festividade religiosa. Contudo, quando as crianças descobriram o lugar, um grande coelho passou rapidamente e espalhou os presentinhos, dando aos pequenos a ilusão de que o bicho carregava e distribuía os ovos.
Outra
versão ganhou força no continente americano com a imigração alemã, no século
18. Para os alemães, à época, era muito comum esconder ovos de galinha pintados
à mão em grandes quintais para as crianças os encontrarem. Agitados com a
movimentação dos pequenos, os coelhos que ali viviam saltavam de suas tocas.
Com o tempo, os adultos uniram os ovos e os coelhos numa história, dizendo aos
filhos que os animais tinham trazido os presentes de Páscoa.
A lenda da deusa Nórdica Ostara e os ovos e coelhos
Na Alemanha, o coelho era o símbolo de uma deusa
adorada pelos germânicos e anglo-saxões, Isthar ou Ostara (que
deu origem a palavra Ostern: Páscoa, em alemão e Easter, em inglês), cujas
ilustrações sempre apareciam as lebres, seus animais preferidos e em sua
honra se celebrava uma festa durante o mês de abril. Originalmente esta
festa servia apenas para homenagear a deusa teutônica.
Conta-se que um dia, Ostara estava em um jardim com
as crianças, quando um pássaro voou sobre elas e pousou na mão da Deusa. Ao
dizer algumas palavras mágicas, o pássaro se transformou no animal favorito de
Ostara, um coleho. O que, maravilhou as crianças. Com o passar dos dias, as
crianças repararam que o coelho ficara triste com a transformação, pois
não mais podia cantar e nem voar. As crianças pediram a deusa que revertesse o
encanto. Ela tentou de tudo, mas não conseguiu desfazer o encantamento.
A deusa decidiu esperar pelo fim do inverno, pois
nesta época do ano seu poder diminuía. O coelho assim permaneceu até a chegada
da Primavera. Com os poderes no apogeu, Ostara pode transformar reverter a
magia e coelho transformou-se novamente em pássaro, durante algum tempo. Agradecido,
o pássaro pôs alguns ovos em homenagem a ela. Em celebração à sua liberdade e
às crianças, que tinham pedido a deusa para que ele retornasse a sua forma
original, o pássaro, pintou os ovos e os distribuiu pelo mundo.
Para lembrar às pessoas de que não podem interferir
no livre-arbítrio de alguém, Ostara entalhou a figura de uma lebre na lua, que
pode ser vista até hoje por nós.
No século VIII, os anglo-saxões transferiram o nome
de Easter também à festa cristã que celebra a Ressurreição de Cristo, adaptando
o nome da festa pagã às tradições cristãs. A cidade de Ostereistedt, na Alemanha, leva esse
nome em razão da referência a essa prática.
No período da Idade Média, o culto à Ostara e à
estação da Primavera logo passou a ser associado à Ressurreição de Cristo, em
face da cristianização dos povos bárbaros. No entanto, a assimilação do mito
germânico pelo cristianismo não implicou a abolição total dos ritos a ele
associados. A prática da entrega de ovos passou a ser relacionada, portanto, à
Páscoa, e não mais à deusa Ostara.
Com a leva de migrações alemãs para o continente
americano, essa prática generalizou-se. Os mais antigos registros sobre a lenda
alemã do coelho que traz os ovos para as crianças datam de 1678.
No Antigo Egito,
o coelho simbolizava
o nascimento e a nova vida. Alguns povos da Antiguidade consideravam
o coelho como o símbolo da lua, portanto, é possível que ele tenha se tornado símbolo
pascal devido ao fato de a Lua determinar a data da Páscoa.
O certo é que os coelhos são notáveis por sua capacidade de reprodução,
e geram grandes ninhadas, lembrando assim a renovação da vida, uma das
características da Páscoa.
Com o tempo, o coelho tornou-se também símbolo de
renascimento, por ser o primeiro animal a sair da toca depois do inverno.
"A lebre já foi associada até a Cristo na iconografia cristã, com orelhas
grandes para escutar melhor a palavra de Deus", observa o pesquisador
Evaristo de Miranda. Mas não só isso, há mais contextos envolvendo o
cristianismo aos coelhos!
A teoria da origem Cristã para os coelhos da páscoa
Algumas teorias também apontam que o coelho da
Páscoa pode ter surgido do Cristianismo, conforme pontuaremos nesta parte.
Primeiramente, deve ser mencionado que as possíveis origens cristãs do coelho
da Páscoa têm associação inicial com a
lebre. Com o passar do tempo, a figura da lebre foi sendo substituída
pela do coelho, um animal mais dócil e que se encaixava nas tentativas de
tornar a Páscoa uma comemoração mais doméstica, conforme mencionamos no começo
deste texto.
Em inúmeras construções de iconografia cristã, a
lebre (ou o coelho) aparecia, e, aparentemente, na mentalidade cristã da Idade
Média, existia uma relação (muito estranha para nós) da lebre com a
virgindade. Isso fazia com que o animal aparecesse junto à Virgem Maria, e a origem
dessa colocação pode ocorrer pelo fato de que muitos acreditavam que a lebre
era um animal que se reproduzia assexuadamente.
Essa colocação das lebres (e coelhos) ao lado da
Virgem Maria resultou até em uma obra de arte conhecida como “A Virgem com o coelho”. Essa
pintura foi produzida por Tiziano
Vecellio e mostra a Virgem Maria segurando um coelho branco, o qual
era enxergado como um símbolo
de pureza.
Além disso, existe uma gama de outros objetos da
iconografia cristã em que há a presença de coelhos e lebres, como os
encontrados em Devon, na
Inglaterra. Nas igrejas medievais dessa cidade inglesa, existem uma série de
cruzes que possuem um círculo com três
lebres (ou coelhos) interligados pela orelha. As teorias que
explicam esse círculo de lebres são as duas seguintes:
·
As lebres (ou coelhos) eram entendidas como
um símbolo de castidade, pela
crença existente de que elas conseguiam reproduzir-se sem perder a virgindade.
·
Esses animais eram representados como um símbolo da Trindade, importante
conceito do Cristianismo.
Inclusive, os historiadores identificaram um padrão
no qual, em diversos locais, o círculo com as três lebres era colocado próximo
a símbolos pagãos, o que sugere uma substituição de um ícone pagão por um ícone
cristão.
Por fim, uma outra teoria sugere que a associação
do coelho com a Páscoa foi obra dos protestantes,
que afirmavam, para as crianças, que os ovos acumulados (resultado da Quaresma) eram trazidos pelos
coelhos, sob a ótica que esses eram símbolos de fertilidade. Mas essa história soa contraditória visto que os Protestantes enfatizam o Cordeiro (Cristo) como símbolo da Páscoa no Novo Testamento.
A origem
da prática de presentear com ovos
O ovo,
por sua vez, é um símbolo de vida e renascimento. Logo, estabeleceu-se o
hábito de presentear uns aos outros com ovos de galinha. Alguns historiadores
especulam que essa tradição teria surgido entre os persas. Outros atribuem sua
origem aos chineses.
"Muitos séculos antes do nascimento de Cristo,
a troca de ovos no equinócio da primavera, comemorado no dia 21 de março no
hemisfério Norte, era um costume que celebrava o fim do inverno", explica
o monsenhor André Sampaio Oliveira, doutor em Direito Canônico.
"Quando a Páscoa cristã começou a ser
celebrada, o rito pagão de festejar a primavera foi integrado à Semana Santa.
Os cristãos, então, passaram a ver no ovo um símbolo da ressurreição de
Jesus."
Foi uma questão de tempo para que os ovos
presenteados passassem a ser ornamentados. Na Idade Média, as cascas dos ovos
de galinha eram pintados à mão.
"Na
Alemanha, os ovos coloridos são pendurados nos galhos das árvores, como se
fossem bolas de Natal. Na Rússia, são colocados nos túmulos como homenagem aos
que já se foram. Na Itália, as mesas da ceia pascal são decoradas com ovos
coloridos", exemplifica o escritor e pesquisador Evaristo Eduardo de
Miranda, autor do livro Guia de Curiosidades Católicas.
Os czares russos elevaram o hábito de dar ovos de
presente a um novo patamar. Entre 1885 e 1916, 50 ovos foram encomendados a
Peter Carl Fabergé, um famoso joalheiro russo, pelos czares Alexandre 3º e
Nicolau 2º.
Um deles, dado de presente por Alexandre 3º para
sua mulher, a imperatriz Marie Feodorovna, trazia em seu interior um relógio
cravejado de safiras e diamantes. Em abril de 2014, o mimo, de 8,2 cm de
altura, foi avaliado em US$ 20 milhões.
Por volta do século 18, os confeiteiros franceses
resolveram experimentar uma nova técnica de preparo: que tal esvaziar os ovos e
recheá-los de chocolate? Um século depois, os ovos passaram a ser feitos de
chocolate e recheados por bombons. A invencionice gastronômica foi aprovada até
por quem não vê qualquer significado religioso em ovos e coelhos.
"Na perspectiva histórica, não é possível
precisar a origem do coelho e dos ovos de Páscoa. No máximo, é possível saber
que não há uma única versão, mas diversas, todas válidas, narradas pelos mais
diferentes povos e culturas", esclarece o doutorando em História pela
Universidade de Campinas (Unicamp) Jefferson Ramalho.
"Para nós, historiadores, o mais importante
não é identificar a 'verdadeira história', mas decifrar os significados
atribuídos a esses símbolos e as ideias que eles procuram transmitir",
completa.
Então, qual a conexão? Em resumo de tudo que vimos,
podemos dizer que a Páscoa, a primavera, os coelhos e os ovos
compartilham uma ideia em comum: o nascimento — e o renascimento. E principalmente, o significado sublime da Páscoa para os cristãos do mundo todo: a morte e ressurreição de Cristo conforme profetizada e cumprida na Bíblia Sagrada.
Daniel Bastos
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