sexta-feira, 2 de agosto de 2019

HISTÓRIA DA TEOLOGIA CRISTÃ I

HISTÓRIA DA TEOLOGIA CRISTÃ I



Introdução

A história da teologia cristã é marcada por várias lutas. Algumas dessas lutas se deram no campo das palavras e muitas outras de armas nas mãos. Estamos falando de um período de mais de dois mil anos, onde muitos homens deram suas vidas em defesa de sua fé e de sua compreensão bíblica.
Para seu melhor estudo, a teologia cristã foi dividida em períodos, os quais são:

• O período Patrístico, d.C. 100 - 451;

• A idade Média e o Renascimento, 1050 - c.1500;

• Os períodos das Reformas e da pós-Reforma, 1500 - c. 1750;

• O período Moderno e o pós-Moderno, 1750 - até os dias atuais.



Para nosso melhor estudo estaremos dividindo nossa disciplina em duas partes:



• História da Teologia Cristã I - O Período Patrístico: Os Pais Apostólicos até Agostinho

• História da Teologia Cristã II - Idade Média: De Agostinho a Lutero

• História da Teologia Cristã III - O Período Moderno: Desde a Reforma até o Presente


A história da teologia não se inicia no começo. Isto é, a teologia cristã começou muito tempo depois de Jesus Cristo ter caminhado na terra com seus discípulos e mesmo depois de ter morrido o último discípulo e apóstolo.
O último apóstolo de Jesus a morrer foi João “o amado”, que morreu por volta de 90, embora a data exata seja incerta. João é o pivô da história da teologia cristã, porque sua morte marcou um momento decisivo.
Com a sua morte, o cristianismo entrou numa nova era, para a qual não estava inteiramente preparado. Já não seria possível solucionar debates doutrinários, ou quaisquer que fossem, apelando para um apóstolo.
Enquanto os apóstolos viviam, não havia necessidade da teologia no mesmo sentido que depois de sua morte. A teologia nasceu à medida que os herdeiros dos apóstolos começaram a refletir sobre os ensinamentos de Jesus e deles a fim de explicá-los em novos contextos e situações, e de resolver controvérsias quanto à crença e conduta cristãs.
O que podemos afirmar é que a história da Teologia Cristã começa no século II, cerca de cem anos depois da morte e ressurreição de Cristo, com o inicio da confusão entre os cristãos no Império Romano, tanto dentro quanto fora da Igreja. Os desafios internos principais eram semelhantes a cacofonia de vozes que muitos cristãos em nossos dias chamariam de "seitas", ao passo que os desafios externos eram semelhantes as vozes que muitos hoje chamariam "céticos". É dessas vozes desafiadoras que surgiu a necessidade e os primórdios da ortodoxia - uma declaração definitiva daquilo que é teologicamente correto.
Esses desafios à mensagem apostólica e à autoridade dos sucessores nomeados pelos apóstolos tiveram tanto sucesso em criar caos e confusões que se tornou imprescindível o desenvolvimento de uma reflexão teológica formal para combatê-los.


Bibliografias:

OLSON, Roger E. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Editora Vida.
HÄGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre: Editora Concórdia.



AULA 1

A ERA DOS PAIS ECLESIÁSTICOS OU PAIS DA IGREJA

Os grandes perturbadores do cristianismo apostólico no século II foram os gnósticos, Montano e os montanistas e o orador anticristão Celso.
Nesta primeira parte de nosso estudo vamos identificar esses movimentos que trouxeram perturbações a Igreja de Cristo.


CLASSIFICANDO OS MOVIMENTOS DESSE PERÍODO

• 1 – O Gnosticismo
• 2 – O Montanismo
• 3 – Filósofo Celso


1 – O GNOSTICISMO

O gnosticismo é um rótulo genérico aplicado a uma grande variedade de mestres e escolas cristãs que existiam às margens da igreja primitiva e que chegaram a se tornar um grande problema para os líderes cristãos no século II. O nome provém da palavra grega gnosis, que significa “conhecimento” ou “sabedoria”.
Certa tradição do século II descreve o embate entre o discípulo João e um eminente mestre gnóstico de Éfeso por volta de 90 a.C., seu nome era Cerinto. Possivelmente este tenha sido um dos primeiros mestres gnósticos e perturbadores do cristianismo do final do século I.
Os gnósticos não tinha organização unificada e discordavam entre si a respeito de muitos assuntos, mas todos acreditavam possuir um conhecimento ou sabedoria espiritual superior à que possuíam e ensinavam os bispos e outros líderes eclesiásticos do século II. Em resumo, acreditavam:

• Ser a matéria, incluindo o corpo, uma prisão inerentemente limitante ou até mesmo um obstáculo maligno para a boa alma ou espírito do ser humano.
• Quanto ao espírito acreditavam ser este essencialmente divino, uma “centelha de Deus” e que estava aprisionado no túmulo que é o corpo.
• Para todos os gnósticos, a salvação significava alcançar um tipo especial de conhecimento, que não era conhecido pelos cristãos comuns. Tal gnosis ou conhecimento, implica reconhecer a verdadeira origem celestial do espírito, sua natureza divina essencial, como uma parte do próprio Deus.
• Cristo era o mensageiro espiritual imaterial enviado por esse Deus desconhecido que desejava resgatar as centelhas dispersas de seu ser, agora aprisionadas em corpos materiais.
• Todos o gnósticos acreditavam que Cristo não havia encarnado, mas que simplesmente tinha a aparência de um ser humano.

No século XX, diversos grupos e indivíduos que se proclamam “cristãos da Nova Era” ressuscitaram a mensagem gnóstica do século II. George Trevelyan e Elizabeth Clare Prophet são dois nomes entre estes que propagam a Nova Era.


2 – O MONTANISMO

Seus partidários o chamavam Nova Revelação e Nova Profecia e seus oponentes o chamavam montanismo, por causa do nome do fundador e principal profeta: Montano.
Montano foi um sacerdote pagão da região da Ásia Menor chamada Frigia que se converteu ao cristianismo em meados do século II.
Montano rejeitava a crescente fé na autoridade especial dos bispos (como herdeiros dos apóstolos) e dos escritos apostólicos. Considerava as igrejas e seus líderes espiritualmente mortos e reivindicava uma “nova profecia” com todos os sinais e milagres dos dias ideais da igreja primitiva no Pentecostes.
Para os bispos e líderes das igrejas o problema não era tanto a crítica feita por Montano à falta de vida espiritual e seus apelos em prol do reavivamento, mas sua auto-identificação como o “Porta-voz do Espírito Santo” e acusava os líderes oficiais da igreja de prender o Espírito Santo dentro de um livro, ao tentar limitar a inspiração divina aos escritos apostólicos.
Duas mulheres, Priscila e Maximila, uniram-se a ele, e o trio passou a profetizar o breve retorno de Cristo à sua comunidade e a condenar os bispos e líderes das principais sés metropolitana (áreas dirigidas pelos bispos) como destituídas de vida, corruptos e até mesmo apóstatas. Montano e as duas profetizas entravam em transe e frenesi espirituais, falando na primeira pessoa como se Deus, o Espírito Santo, falasse diretamente através deles.
Durante décadas a igreja mostrou-se extremamente desconfiada quanto a profetas autoproclamados, temendo que talvez pretendessem substituir os apóstolos como autoridades especiais suscitadas por Deus, à parte das estruturas da igreja. As igrejas principais do Império Romano e seu bispos, a fim de preservar a união em uma estrutura visível e nos ensinos, decidiram adotar um conceito de “sucessão apostólica” semelhante ao posteriormente criado.
Mas, entre os cristãos da metade do século II, ainda havia profetas carismáticos itinerantes e estacionários. E, por vezes, podiam ser bem problemáticos, como revela um dos escritos pós-apostólicos mais antigos, o Didaquê. Esse texto anônimo do começo do século II oferece conselhos conflitantes aos cristãos sobre como lidar com tais profetas aventureiros que falavam em nome de Deus.
A dura resposta dos líderes eclesiásticos a Montano não foi tanto porque ele e suas companheiras proclamavam palavras da parte de Deus ou defendiam o ascetismo rigoroso (proibição do casamento e das relações sexuais, jejuns severos, etc.), mas sim porque rejeitavam os herdeiros dos apóstolos e reivindicavam inspiração e autoridade especiais para as próprias mensagens. Quando os seguidores de Montano começaram a fundar congregações separadas que rivalizavam com bispos de todas as partes do Império Romano, estes reagiram com rapidez e severidade. Talvez até com severidade demais.
Alguns diriam que se trata de um caso clássico de jogar o bebê fora junto com a água suja do banho. Alguns bispos se reuniram secretamente, pois não tinham o apoio do Império Romano (Estado da época), e excomungaram a Montano e todos seus seguidores.
Talvez esse tenha sido o primeiro cisma, ou divisão organizacional, real dentro do cristianismo. Desde o ano de 160, em muitas cidades do Império Romano havia duas congregações cristãs distintas: uma seguia a liderança de um bispo na sucessão apostólica e outra seguia a Nova Profecia de Montano.

Sempre e onde quer que a profecia for elevada a uma posição igual, ou superior, ás Escrituras, lá estará o montanismo em ação.



3 – FILÓSOFO CELSO

O gnosticismo e o montanismo constituíam duas ameaças internas à igreja e à sua mensagem apostólica, ou seja, a união e à integridade do cristianismo primitivo.
Um desafio externo de grande peso surgiu de escritores e oradores judeus e pagãos, como: Fronto, Tácito, Luciano, Porfírio e especialmente Celso.
O filósofo pagão Celso que, por volta de 175 ou 180, escreveu um livro contra a fé dos cristãos intitulado: A verdadeira doutrina: um discurso contra os cristãos. O conteúdo do livro foi preservado na integra pelo filósofo e teólogo Orígenes de Alexandria, que deu sua resposta em Contra Celso [Contra Celsum].
No período em que aumentavam os boatos e as falsas acusações contra os cristãos e em que eram extensivamente perseguidos e considerados ignorantes e supersticiosos, senão até desleais, tanto pelos imperadores quanto pelos plebeus, Celso fez uma crítica extremamente brilhante e articulada contra a fé cristã. Ele destacou os pontos que pareciam ser inconsistentes dentro da doutrina cristã, a partir de sua visão filosófica.
Uma coisa era os cristãos refutar boatos obviamente falsos, como o de se envolver em rituais de sangue nos quais assavam e comiam criancinhas. Outra coisa bem diferente era responder racional e até filosoficamente a um orador romano culto e bem-articulado. Mas era preciso responder pois, ao que parece, Celso tinha a atenção do imperador.
Marco Aurélio, imperador romano do final do século II, era filósofo e opositor do cristianismo. Refutar Celso era uma maneira de acalmar a ira do imperador contra o cristianismo e refutar que o cristianismo era um perigo para o império.
O ataque de Celso ao cristianismo é rico em informações sobre a vida e a fé cristã do século II. Por exemplo:

• Celso deixou absolutamente claro que os cristãos de sua época criam em Jesus Cristo e adoravam esse homem como um Deus.

Em resposta à adoração dos cristãos por Jesus, Celso escreveu que “é impossível que Deus tenha descido à terra pois, se o fizesse, teria de mudar sua natureza”. Foi esse o desafio de Celso. Portanto, a principal “contribuição” de Celso ao cristianismo foi o desafio de pensar cuidadosamente sobre duas declarações aparentemente conflitantes e, de alguma forma, torná-las coerentes.


A razão do surgimento da teologia cristã

Os cristãos se viram diante um dilema: ou ignoravam Celso e outros críticos semelhantes a ele e retraíam-se em uma religião folclórica sem apresentar uma defesa lógica ou enfrentavam o desafio e criavam doutrinas coerentes que reconciliariam crenças aparentemente contraditórias como o monoteísmo e a divindade de Jesus Cristo.
Os cristãos enfrentaram o desafio apresentado por Celso. Suas respostas a oponentes pagãos como Celso, fanáticos como Montano e hereges como os gnósticos deram origem à teologia cristã. Mas por quê eles decidiram dar respostas a estes?
Para preservar a integridade do evangelho e pelo bem do evangelismo, responderam teologicamente. A teologia nasceu para responder perguntas, satisfazer as necessidades de mentes indagadoras tanto de dentro quanto de fora da igreja.



CLASSIFICANDO A ERA DOS PAIS DA IGREJA

Os Pais da Igreja são normalmente, classificados em quatro grupos:

• 1 - Os Pais Apostólicos (0-120 d.C).
• 2 - Os Apologistas (120-220 d.C).
• 3 - Os Polemistas (180-250 d.C.).
• 4 - Os Teólogos (325-460 d.C.).


1 - OS PAIS APOSTÓLICOS

Quando falamos nos Pais Apostólicos, geralmente nos referimos a alguns autores cristãos do fim do primeiro século e do inicio do segundo, cujos escritos chegaram até nós.
A maioria destes escritos foram escritos em formas de cartas (homilias), e os mesmos não tinham a finalidade de serem usados ou transformados em material de estudo doutrinário.
Os mais importantes destes escritos são os seguintes:

• A Primeira Epístola de Clemente, escrita em Roma, por volta de 95.
• As Epístolas de Inácio; sete cartas a vários destinatários, escritas por volta de 115 durante a viagem de Inácio a Roma e para sua morte de mártir já prevista.
• A Epístola de Policarpo, escrita e Esmirna, por volta de 110.
• A Segunda Epístola de Clemente, escrita em Roma ou Corinto, por volta de 140.
• O pastor de Hermas, escrito em Roma, por volta de 150.
• Fragmentos de Papias, escritos em Hierápolis na Frigia, por volta de 150, citados nas obras de Eusébio e Irineu (entre outros).
• A Didaché (Os Ensinamentos dos Doze Apóstolos), escrita na primeira metade do século, provavelmente na Síria.

Os Pais Apostólicos são caracterizados pela edificação e fortalecimento doscrentes na fé.
·        Data: Primeiro Século (30 - 100).
·        Objetivo: Exortar e edificar a Igreja.
·        Preeminentes do Ocidente: Clemente de Roma.
·        Preeminentes do Oriente: Inácio, Policarpo, Epistola de Barnabé, Fragmentos de Papias, O Pastor de Hermas e a Didaquê.

1.1 – A Ênfase nos Ensinos dos Pais Apostólicos
Embora os Pais Apostólicos tenham vivido em um período tão próximo dos apóstolos a diferença entre eles já eram grandes.
Comparados com o Novo Testamento, os Pais Apostólicos se distinguem especialmente devido a ênfase no que geralmente se denominamoralismo (melhor traduzido para nós como “legalismo”). A proclamação da lei ocupa lugar de destaque nos escritos dos Pais Apostólicos. Isto acontece em parte porque se dirigem a novas congregações cujos membros recentemente abandonaram o paganismo. Fazia-se necessário substituir seus antigos hábitos com praxe e costumes cristãos. A vida cristã dizia-se consistir, acima de tudo, em obediência a esta nova lei, pregada por Cristo.
Graça era entendida com um dom que Deus outorga ao homem, por intermédio de Cristo, concedendo a este poder interno, associado com o Espírito Santo, pelo qual o homem pode buscar a justiça e andar no caminho da nova obediência. A graça conferia poder ao homem para obedecer a Cristo, desta forma alcançar a justiça e ser salvo.
A salvação, embora ensinada como conquistada por Jesus Cristo aos homens, ela era dada somente aqueles que conseguiam viver em justiça, isto é, que obedeciam fielmente a lei de Cristo. Em outras palavras, a obediência era uma exigência para salvação.
As Escrituras tanto do A.T. como os escritos dos apóstolos, já eram consideradas como Escrituras Sagradas e usadas para ensino. É bem verdade que o N.T. ainda vinha conquistando espaço e se firmando neste período.
Muitas das cartas dos Pais Apostólicos chegaram a fazer parte por um breve período no cânone do Novo Testamento.
Doutrina de Deus era baseada praticamente na afirmação da existência de um único Deus poderoso e criador de todas as coisas. Embora usassem a fórmula trinitária no batismo, neste tempo, ainda não tinham desenvolvido a doutrina de um Deus Trino. Jesus Cristo era afirmado como Deus.
Inácio defendia a vida de Cristo como real na terra em oposição àqueles que mantinham, que Jesus tão-somente parecia existir em forma humana, e apenas parecia ter sofrido na cruz e que depois da ressurreição retornou a uma existência espiritual incorpórea (posição defendida pelos gnósticos judaico-cristãos – chamada de docetismo).
As Igrejas que estavam sendo consolidadas naquela época começaram a dar maior valor ao cargo dos Bispos. Segundo Inácio, o bispo era o símbolo da unidade cristã e o portador da tradição apostólica. As congregações eram admoestadas a serem fiéis aos seus bispos, que deveriam mantê-las fiéis a sã doutrina. Originalmente os anciãos e os bispos estavam no mesmo nível, mas a esta altura dos acontecimentos os bispos ocupavam posição superior aos dos presbíteros. Este assim chamado episcopado monárquico apareceu um primeiro lugar na Ásia Menor e é claramente salientado nas epístolas de Inácio. Os bispos passaram a ter maior primazia, pois foram considerados os verdadeiros portadores dos ensinos apostólicos, seus sucessores diretos. Como resultado direto, começou a se desenvolver a partir deste pensamento uma ordem eclesiástica.
A Escatologia dos Pais Apostólicos incluía a idéia que o fim dos tempos era iminente, e alguns deles (Papias, Barnabé) também sustentavam a doutrina de um milênio terreno. Barnabé aceitava a idéia judaica que o mundo existiria por 6.000 anos, prefigurados nos seis dias da criação. E, por conseguinte, dizia-se, que seguiria o sétimo milênio, em que Cristoreinaria visivelmente na terra com a ajuda de seus fiéis (cf. Ap 20). Este daria lugar ao oitavo dia, a eternidade, que tinha seu protótipo no domingo.

 1.2 – Principais Nomes dos Chamados Pais Apostólicos
Clemente de Roma (30-100)
Clemente foi bispo de Roma na última década do século I.
Várias hipóteses já foram levantadas sobre Clemente para identificá-lo. Para alguns, ele pertencia à família real. Para outros, ele era colaborador do apóstolo Paulo. Outros ainda sugeriram que ele escreveu a carta aos Hebreus. Em verdade, as informações a respeito de Clemente de Roma vão desde lendárias a testemunhas fidedignas. Alguns pais, como Orígenes, Eusébio de Cesaréia, Jerônimo, Irineu de Lião, entre outros, aceitaram como verdadeira a identificação de Clemente de Roma como colaborador do apóstolo Paulo.
A principal obra de Clemente de Roma é uma carta redigida em grego, endereçada aos crentes da cidade de Corinto (1 Clemente), mais ou menos no final do reinado de Domiciano (81-96) ou no começo do reino de Nerva (96-98). A epístola trata, principalmente, da ordem e da paz na Igreja. Seu conteúdo traz à tona o fato de os crentes formarem um corpo em Cristo, logo deve reinar nesse corpo a unidade, e não a desordem, pois Deus deseja a ordem em suas alianças. Traz, ainda, a analogia da adoração ordeira do Antigo Israel e do princípio apostólico de apontar uma continuidade de homens de boa reputação.
Esta carta, certamente, contribuiu para uma mudança sutil e geral rumo ao moralismo cristão, no cristianismo do século II, que associava o discipulado à total obediência aos líderes devidamente nomeados e à prática de uma vida moralmente correta.
Um aspecto interessante dessa epístola é o estranho apelo de Clemente ao mito da fênix para reforçar a crença na ressurreição.

O Didaquê
Didaquê, também conhecido por O Ensino dos Doze Apóstolos. Nada se sabe a respeito do autor, mas acredita-se que foi escrito no ano 101 d.C. Contudo alguns acreditam que foi escrito em uma data anterior a essa.
O Didaquê parece ter sido escrito com o intuito de reforçar a moralidade cristã e instruir os cristãos a respeito de como tratar os profetas que os procurassem alegando falar em nome do Senhor.
Segundo o Didaquê o caminho da vida é claramente o caminho do amor a Deus e ao próximo e da rigorosa observância às regras morais. O caminho da salvação nele descrito ensina um estilo de vida de fidelidade e obediência aos mandamentos de Deus e aos ministros cristãos.
O Didaquê, assim como outros pais apostólicos, coloca diante dos cristãos mais uma moralidade rigorosa em uma visão um tanto legalista do que um evangelho da liberdade cristã sem a escravidão à lei.
Incluídas no Didaquê, há instruções bastante pormenorizadas a respeito do batismo e da ceia do Senhor.
O Didaquê descreve como um dos sinais de um falso profeta era que eles permaneciam no lugar por mais do que dois ou três dias, pediam dinheiro e refeições “no espírito”, o que provavelmente significava exigir comida em troca das profecias.

Inácio de Antioquia (35-110 d.C)
Mesmo sendo de Antioquia, seu nome, Ignacius, deriva-se do latim: igne: “fogo”, e natus: “nascido”.
Conforme seu nome sugere, Inácio era um homem nascido do fogo, ardente, apaixonado por Cristo. Segundo Eusébio, após a morte de Evódio, que teria sido o primeiro bispo de Antioquia, da Síria, Inácio fora nomeado o segundo bispo dessa influente cidade. Alguns estudiosos o consideram o terceiro bispo de Antioquia da Siria pois contam o apóstolo Pedro como o primeiro bispo da mesma.
Inácio foi discípulo do apóstolo João, também conheceu São Paulo e foi sucessor de São Pedro na igreja em Antioquia fundada pelo próprio apóstolo.
Santo Inácio foi detido pelas autoridades e transportado para Roma, por ordem do imperador Trajano (98-117 d.C), onde foi condenado à morte no Coliseu, e foi martirizado por leões.
As autoridades romanas esperavam fazer dele um exemplo e, assim, desencorajar o cristianismo, porém sua viagem a Roma ofereceu-lhe a oportunidade de conhecer e ensinar os conceitos cristãos, e no seu percurso, Inácio escreveu seis cartas para as igrejas da região e uma para um colega bispo. Ao falar sobre sua execução, Inácio disse a famosa expressão: "trigo de Cristo, moído nos dentes das feras". E na iminência do martírio prometeu aos cristãos que mesmo depois da morte continuaria a orar por eles junto de Deus:
Meu espírito se sacrifica por vós, não somente agora, mas também quando eu chegar a Deus. Eu ainda estou exposto ao perigo, mas o Pai é fiel, em Jesus Cristo, para atender minha oração e a vossa. Que sejais encontrados nele sem reprovação.
Inácio escreveu algumas epístolas às comunidades cristãs asiáticas: à igreja de Éfeso, às igrejas de Magnésia, situada no Meander, à igreja de Trales, às igrejas de Filadélfia e Esmirna e, por fim, à igreja de Roma. O objetivo da carta a Roma era solicitar que os irmãos não impedissem seu martírio, o que aconteceria durante o reinado de Trajano (98-117).
Inácio tratou de todo tipo de questões em suas cartas e talvez seja justo dizer que elas contêm a primeira teologia, propriamente dita, do cristianismo.
Inácio enfatizava veementemente a obediência cristã aos bispos. Certamente o sentimento de Inácio a respeito dos bispos é um salto quântico para além do que se pode achar nos escritos dos próprios apóstolos e, decerto, surgiu de uma necessidade iminente de manter a ordem em um cristianismo cada vez mais diverso e desgovernado.
Inácio também condenou a cristologia doceta do gnosticismo. Afirmou muito enfaticamente a verdadeira divindade e humanidade de Jesus Cristo como Deus aparecendo em forma humana.
O bispo de Antioquia, Inácio, parece ter inventado um termo teologicamente rico para a ceia do Senhor: a eucaristia ou cerimônia da comunhão. Inácio claramente concebia a Eucaristia como sacramento, meio de graça que transforma a pessoa que dela participa. Ele não elaborou uma teologia a respeito, mas queria enfatizar que, ao participar do pão e do vinho da refeição do Senhor, a pessoa ganha uma participação na imortalidade divina que sobrepuja a maldição da morte trazida pelo pecado.
Inácio, assim como outros pais apostólicos, deixou um legado útil e perturbador com o qual o cristianismo teria de lidar. Para os cristãos que dão muito valor à hierarquia da liderança da igreja e têm um conceito altamente sacramental da salvação – a graça que transforma pessoas mediante os ritos sacramentais – Inácio é um herói e uma comprovação de que essa interpretação da igreja e do evangelho é antiga e autêntica.
Inácio legou com autoridade uma cristologia da encarnação que afirmava Jesus Cristo como verdadeiramente Deus e verdadeiramente humano e que, com isso, ajudou a preparar o caminho para a plena afirmação do dogma da Trindade.

Antioquia
Foi fundada por volta do ano 300 a.C., por Seleuco Nicátor, com o nome de Antiokkeia, (cidade de Antíoco). Tornou-se capital do império selêucida e grande centro do Oriente helenístico. Conquistada pelos romanos por volta do ano 64 a.C., conservou seu estatuto de cidade livre e foi a terceira cidade do Império depois de Roma e Alexandria (no Egito), chegando a abrigar 500 mil habitantes. Evangelizada pelos apóstolos Pedro, Paulo e Barnabé, tornou-se metrópole religiosa, sede de um patriarcado e centro de numerosas controvérsias, entre elas, o arianismo, o monofisismo, o nestorianismo. Era considerada a igreja-mãe do Oriente.

Policarpo (69-159)
Sobre sua infância, família e formação, não temos informações precisas, contudo há documentos históricos sobre ele. Graças a alguns testemunhos fidedignos, podemos reconstruir sua personalidade. Foi discípulo do apóstolo João, amigo e mestre de Irineu, tendo ainda conhecido Inácio, sendo consagrado bispo da igreja de Esmirna.
Quanto aos seus escritos, o único que restou desse antigo pai da igreja foi a sua epístola aos filipenses, exortando-os a uma vida virtuosa de boas obras e a permanecerem firmes na fé em nosso Senhor Jesus Cristo. Seu estilo é informal, com muitas citações do Velho e do Novo Testamentos.
Faz, ainda, 34 citações do apóstolo Paulo, evidenciando que conhecia bem a carta desse apóstolo aos filipenses, entre outras epístolas de Paulo. Há, também, os depoimentos de Eusébio e Irineu, relatando a intimidade de Policarpo com testemunhas oculares do evangelho. Segundo Tertuliano, Policarpo teria sido ordenado bispo pelas mãos do próprio apóstolo João.

O martírio de Policarpo
O martírio de Policarpo é descrito um ano depois de sua morte, em uma carta enviada pela Igreja de Esmirna à Igreja de Filomélio. Esse registro é o mais antigo martirológio cristão existente. Diz a história que o procônsul romano, Antonino Pius, e as autoridades civis tentaram persuadi-lo a abandonar sua fé, quando já avançado em idade, para que pudesse ser livre.
Ele, entretanto, respondeu com autoridade: “Eu tenho servido a Cristo por 86 anos e ele nunca me fez nada de mal. Como posso blasfemar contra meu Rei que me salvou? Eu sou um crente!”.


Nota 1: Os pais apostólicos forneceram uma ponte entre os apóstolos e o cristianismo católico ortodoxo e ajudaram a preservar e a estabelecer uma igreja relativamente unificada e teologicamente sadia. Por outro lado, em menor ou maior grau, falharam em transmitir em suas tradições o evangelho puro da salvação como uma dádiva que não vem das obras mas unicamente da graça.


2 – OS APOLOGISTAS
Os Apologistas são caracterizados pela sua defesa aos ataques contra o Cristianismo proferidos pelos gregos (gnosticismo[1]) e os judeus cristãos (o cristianismo judaico herético – era conhecido como ebionismo[2]). Por causa dessa defesa receberam o nome de “apologistas”.
O mais notável destes apologistas foi Justino, cognominado “o mártir”.
Os apologistas ocupam lugar de destaque na história do dogma, não só devido a sua descrição do cristianismo como a verdadeira filosofia como também por sua tentativa de elucidar ensinamentos teológicos com o auxílio de terminologia filosófica contemporânea ( por exemplo: na assim chamada “cristologia do Logos”). O que neles encontramos, por conseguinte, é a primeira tentativa de definir, de maneira lógica, o conteúdo da fé cristã, bem como a primeira conexão entre teologia e ciência, entre cristianismo e filosofia grega.

·        Data: Segundo Século (120 - 220).
·        Objetivo: Defender o Cristianismo.
·        Preeminentes do Ocidente: Tertuliano.
·        Preeminentes do Oriente: Justino – o Mártir, Taciano, Teófilo, Aristides e Atenágoras.

As escolas de Alexandria e Roma, os dois centros culturais mais importantes do Império Romano, foram as que mais defenderam o uso de uma abordagem filosófica na defesa da fé cristã. Possivelmente porque estas duas escolas foram as que mais sofreram influência de Filo, um judeu estudioso.
Filo por exemplo, ensinou que a filosofia de Platão e os ensinamentos de Moisés baseavam-se na revelação divina e que, no âmago, eram semelhantes ou idênticos. Para fazer esse sistema funcionar, foi levado a interpretar de modo alegórico as Escrituras hebraixas. Com esse método, conseguiu combinar os pensamentos grego e hebraico a respeito de Deus da criação e da humanidade.

Obs1.: Os apologistas refutaram as objeções do mundo pagão e apresentaram o cristianismo como a verdadeira filosofia.

Obs2.: Uma fenda que divide toda a teologia cristã desde o início é a que existe entre os pensadores cristãos que querem enfrentar seus críticos no próprio terreno deles e debater a fé de forma coerente e mesmo filosófica e os que consideram esse esforço uma acomodação perigosa aos inimigos da fé. (A questão é: devemos falar a mesma linguagem “mundana” para alcançarmos os ímpios?).

2.1 – Contexto Histórico
O império estava eivado de religiões de mistério – cultos de iniciação cheios de mitos elaborados sobre deuses que morriam e renasciam, e caminhos para a imortalidade mediante cerimônias secretas de iniciação que envolviam coisas do tipo batismos com sangue de um touro abatido. Havia, ainda, filosofias sobrenaturais de vários mágicos como Apolônio de Tiana e Pitágoras, cujos seguidores se reuniam secretamente para por em prática seus poderes paranormais e estudar os significados esotéricos dos números e corpos celestes. Existiam, também, diversas cerimônias e mitos de templos sobre panteões gregos e romanos de deuses e deusas do Olimpo como Zeus, Apolo e Diana.
Os apologistas cristãos do século II decidiram, então, defender a veracidade do cristianismo com base nas filosofias do platonismo e do estoicismo, ou numa mistura das duas, que eram normalmente aceitas como superiores às mencionadas.

2.2 – Características da Filosofia Grega
·        A filosofia grega rejeitava o politeísmo das religiões populares. Afirmavam a existência de apenas uma divindade.
·        Rejeitava também os mitos e cerimônias de iniciação das religiões de mistério.
·        Afirmava a imortalidade da alma e a importância de se ter uma vida virtuosa.
·        Os seguidores do estoicismo[3] costumavam identificar o divino com a natureza e com a ordem natural das coisas. Deus é a fonte última de todas as coisas, embora não tenha criado o universo “do nada” (ex nihilo), Ele é a fonte de tudo.

2.3 – Principais Nomes dos Chamados Apologistas

Atenágoras de Atenas (Século I)
Assim como Justino, Atenágoras, o ateniense, era tanto filósofo como cristão. Entre outros documentos escreveu Petição a Favor dos Cristãos em forma de carta aberta ao imperador Marco Aurélio quando este estava para visitar Atenas.

Teófilo de Antioquia (aproximadamente 115-180)
Teófilo de Antioquia escreveu três livros A Autólico por volta de 180. Pouco se sabe a respeito de Teófilo além de que foi bispo dos cristãos em Antioquia.
Autólico foi um amigo pagão de Teófilo e este escreveu três livros a fim de responder aos comentários depreciativos que o amigo fizera em relação ao cristianismo.

Justino, o mártir (100-170)
Flávio Justino Mártir nasceu em Siquém, na Palestina, no início do segundo século e morreu mártir no ano 170. Depois de peregrinar pelas mais diversas escolas filosóficas (peripatética, estóica e pitagórica) em busca da verdade para a solução do problema da vida, abandonou o platonismo, último estágio de sua peregrinação filosófica. O amor à verdade fez que ele rejeitasse, pouco a pouco, os sistemas filosóficos pagãos e se convertesse ao cristianismo. Em sua época, foi o mais ilustre defensor das verdades cristãs contra os preconceitos pagãos.
Embora leigo, é considerado o primeiro “pai apologista” da Igreja, logo depois dos primitivos “pais apostólicos”, pois dedicou sua vida à difusão e ao ensino do cristianismo. Em Roma, abriu uma escola para o ensino da doutrina cristã e, ainda nessa cidade, dedicou-se ao apostolado, especialmente nos meios cultos, onde se movimentava com desembaraço. Escreveu muitas obras, mas somente três chegaram até nós: duas apologias contra os pagãos e um diálogo com o judeu Trifão ou Trifo. Foi açoitado e, depois, decapitado.
Sem dúvida alguma, Justino Mártir merece reputação de “o apologista mais importante do século II” por causa das idéias criativa respeito de Cristo como Logos cósmico e de o cristianismo ser a filosofia verdadeira.


Nota 2: Não fossem os apologistas e a sua obra, o cristianismo poderia facilmente ter sido reduzido a uma religião esotérica de mistério ou, talvez, a uma mera religião folclórica sem qualquer influência na esfera pública mais ampla da cultura. Os apologistas levaram a mensagem cristã a público e defenderam-na, com vigor e rigor, dos mal-entendidos e das falsas acusações. Com isso, colocaram a teologia cristã além das pequenas e simples reflexões dos pais apostólicos, em um novo plano de pensamento formal e racional a respeito das implicações da mensagem apostólica para a crença cristã de Deus, de Cristo, da salvação e de outras crenças importantes.

Nota 3: Muitos críticos acusam os apologistas de criarem, inconscientemente, uma mistura do pensamento hebraico e cristão a respeito de Deus com as idéias gregas, especialmente platônicas, de deidade.




[1] Gnosticismo à Este era resultado da mistura da religião helenística com o cristianismo. Os elementos mais marcantes neste sistema eram certas especulações místicas e cosmológicas, além do dualismo entre o mundo do espírito e o mundo material. Sua doutrina da salvação salientava o livramento do espírito de sua servidão na esfera material. Esta religião tinha seus próprios mistérios e cerimônias sacramentais, além de uma ética que preconizava ou o ascetismo ou a libertinagem.
[2] Ebionitas à Estes sustentavam a validade da lei de Moisés; uma fração julgava que isto só se aplicava a eles, mas outra fração, mais militante, insistia que os cristãos de origem pagã também eram obrigados a cumprir a lei de Moisés. Outra idéia básica associada aos ebionitas era que esperavam o estabelecimento de um reino messiânico em Jerusalém. Isto reflete sua identificação de judaísmo e cristianismo (Benget Hängglund).
[3] O estoicismo é uma doutrina filosófica fundada por Zenão de Cíito, que afirma que todo o universo é corpóreo e governado por um Logos divino (noção que os estoicos tomam de Heráclito e desenvolvem). A alma está identificada com este princípio divino, como parte de um todo ao qual pertence. Este logos (ou razão universal) ordena todas as coisas: tudo surge a partir dele e de acordo com ele, graças a ele o mundo é um kosmos (termo que em grego significa "harmonia").



3 – OS POLEMISTAS
Os Polemistas são caracterizados, pela defesa contra heresias dentro da Igreja.

·        Data: Terceiro Século (180 - 250).
·        Objetivo: Lutar contra as falsas doutrinas.
·        Preeminentes do Ocidente: Irineu, Tertuliano e Cipriano.
·        Preeminentes do Oriente: Panteno, Clemente, Orígenes e Hipólito.

Obs1.: Irineu, Tertuliano e Hipólito eram conhecidos também como os pais antignósticos devido ao conflito com o gnosticismo. Para estes teólogos da igreja primitiva, a crença na criação divina ocupou lugar central de modo mais destacado que na tradição ocidental posterior, onde a doutrina da salvação foi frequentemente enfatizada às custas de outras facetas do cristianismo. Foi o idealismo gnóstico, com seu repúdio da criação, que levou os Pais Eclesiásticos a tratar tão pormenorizadamente da doutrina de Deus e da criação, bem como o problema do homem, a encarnação e a ressurreição do corpo.

Obs2.: Os pais antignósticos desenvolveram, com base na Escritura e na tradição, uma teologia destinada a proteger a ortodoxia das especulações do gnosticismo e da filosofia grega.

3.1 – Principais Nomes dos Chamados Polemistas
Irineu (130-202)
Nascido no ano 130, em Esmirna, na Ásia Menor (Turquia), e filho de uma família cristã, Irineu era grego e foi influenciado pela pregação de Policarpo, bispo daquela cidade. Anos depois, Irineu mudou-se para Gália (atual sul da França), para a cidade de Lyon, onde foi presbítero ou bispo no lugar do bispo que havia sido martirizado em 177.
Além da pregação de Policarpo, Irineu recebeu influência de Justino, cujo ministério foi um elo entre a teologia grega e a latina, atuando, no início, junto com um de seus contemporâneos, Tertuliano.
Enquanto Justino era primariamente um apologista, Irineu contribuiu na refutação contra as heresias e na exposição do cristianismo apostólico. Sua maior obra foi desenvolvida no campo da literatura polêmica contra o gnosticismo.

Obras:
- Adversus Haereses (refutação ao gnosticismo)
- Epideixis (apresenta as doutrinas básicas da proclamação apostólica)

Irineu é denominado o pai da dogmática católica. Há algo de verdade nesta expressão, visto ter sido ele o primeiro a procurar apresentar um sumário de toda a Escritura. Irineu rejeitou o conceito de cristianismo mantido pelos apologistas, a saber, que ele (o cristianismo) é a verdadeira filosofia [...] não concordava que o conteúdo da revelação era simplesmente uma nova e mais perfeita filosofia. Para ele, a Bíblia era a única fonte de fé.
Ao desmascarar os gnósticos, Irineu também desenvolveu uma interpretação cristã da redenção que influenciou profundamente o curso e a direção de toda a teologia cristã, especialmente nas regiões orientais da igreja cristã onde o grego era o idioma principal.
Irineu morreu em Lião durante um massacre de cristãos em 202.
Com certeza, Irineu é personagem crucial na história da teologia cristã porque foi um agente que contribuiu para a derrota do gnosticismo e porque foi o primeiro pensador cristão que elaborou teorias compreensivas do pecado original e da redenção.

A Teoria de Irineu Sobre a Redenção
Os teólogos históricos rotularam a contribuição de Irineu de “teoria da recapitulação”. Irineu expôs o que acreditava ser o ensino apostólico cristão a respeito da obra de Cristo na redenção de prover uma nova “cabeça” para a humanidade, a recapitulação.
Irineu procurou demonstrar que o evangelho da salvação ensinado pelos apóstolos e transmitido por eles centralizava-se na encarnação, a existência humana do Verbo, o Filho de Deus, em carne e osso. Por isso, enfatizava todos os aspectos da vida de Jesus como necessários para a salvação. A obra de Cristo em nosso favor foi muito além de seus ensinamentos e estendeu-se à própria encarnação. Para Irineu a própria encarnação é redentora e não meramente um passo necessário em direção aos ensinos de Cristo ou ao evento da cruz.
Essa idéia ficou conhecida como a encarnação salvífica e foi crucial para o curso de toda a teologia depois de Irineu. É por isso que, sempre que surgia uma teologia que de alguma forma ameaçava a encarnação de Deus em Jesus, os pais da igreja reagiam tão fortemente. Qualquer ameaça à encarnação, por menor que fosse, era vista como uma ameaça a salvação. Se Jesus não fosse verdadeiramente humano bem como verdadeiramente divino, a salvação seria incompleta e impossível. A redenção, na sua inteireza, repousa na realidade do nascimento de Cristo em carne e osso, de sua vida, seu sofrimento e sua ressurreição, além do seu eterno pode e divindade.
Estritamente falando, a raça humana inteira “nasce de novo” na encarnação de Jesus Cristo. Ela recebe uma nova “cabeça”, uma nova fonte, origem ou base de existência, que não é caída, mas pura e saudável, vitoriosa e imortal.
Irineu acreditava na solidariedade da humanidade tanto no pecado como na redenção.
Sem a encarnação, Cristo não poderia ter invertido a queda de Adão, e a redenção não seria levada a efeito. O pecado e a morte continuariam sendo, para sempre, características básicas da condição humana.
Para Irineu, Jesus Cristo proveu a redenção passando pelo escopo inteiro da vida humana e, em cada conjuntura, invertendo a desobediência de Adão.
O que participa voluntariamente da nova humanidade de Cristo escolhendo ele, e não ao primeiro Adão, como sua “cabeça”, pelo arrependimento, pela fé e pelos sacramentos, recebe a transformação que se tornou possível pela encarnação do Filho de Deus.
Para Irineu, portanto, a redenção foi uma restauração da criação, e não uma evasão da criação, como na soteriologia dos gnósticos.
Irineu claramente concebia a salvação como a transformação dos seres humanos em participantes da natureza divina (2 Pe 1.4).

Obs.5: No fim do século II e início do século III (200/201), o gnosticismo e o montanismo começaram a perder sua importância e influência. Estavam surgindo novas heresias que seriam enfrentadas por Tertuliano, Cipriano e outros pais eclesiásticos do século III.

Obs.6: Os bispos na sucessão apostólica estavam conseguindo o monopólio na autoridade das igrejas, de modo que cada vez mais pessoas de dentro e de fora os reconheciam como a autoridade da igreja.

Obs.7: A idéia da salvação sendo recebida primariamente por meio dos sacramentos incluindo-se o batismo infantil e o da eucaristia, estava se tornando normativa, embora algumas vozes se levantassem em protesto. Aigreja e sua estrutura e teologia estavam paulatinamente se formalizando e padronizando. Uma certa linha de ortodoxia (doutrina – verdadeira doutrina) estava sendo amplamente reconhecida.

Nota 4: Quando o século II chegava ao fim, surgia uma nova história da teologia. A localização central geográfica e cultural da história mudou-se para a África do Norte. Das cidades da África do Norte, como Alexandria e Cartago (na região hoje chamada Tunísia) surgiram os grandes defensores, intérpretes e organizadores do pensamento e da vida cristã do século III.

Nota 5: Durante o século III, as primeiras construções eclesiásticas – chamadas “basílicas” – foram levantadas para a adoração cristã. O cânon das Escrituras cristãs foi praticamente solidificado, embora seu reconhecimento oficial e sua aceitação universal tenham vindo apenas quase um século mais tarde.


Clemente de Alexandria
Clemente seguiu os passos de Justino, o grande apologista e mártir do século II, e considerava o cristianismo a verdadeira filosofia que não contradiz nem anula a filosofia grega, mas a completa.
Certamente, Clemente não tentou reduzir o cristianismo a uma filosofia grega genérica revestida do evangelho para torná-lo mais agradável e aceitável às mentes alexandrinas sofisticadas.
Os pormenores da vida de Clemente da Alexandria são cercados de mistério. Sua ligação com a hierarquia formal da igreja de Alexandria é uma incógnita. Não parece ter sido ordenado como ministro ou sacerdote e seus escritos rejeitam notoriamente as considerações sobre a comunidade dos cristãos e, em vez disso, evidenciam a espiritualidade e a vida intelectual do crente. Sem dúvida alguma, estava contaminado pelo platonismo médio que formava a filosofia genérica da maioria dos alexandrinos cultos e pode ter contribuído para o surgimento de um novo tipo de filosofia platônica conhecido como neoplatonismo.
Mais do que qualquer outro escritor cristão antigo, Clemente de Alexandria dava valor à integração da fé cristã com a melhor cultura dos seus dias. Seu lema era: “toda a verdade é a verdade de Deus, venha de onde vier”.
Clemente via na filosofia platônica uma aliada viável para o cristianismo do mundo pagão. O platonismo tinha um conceito da vida além da morte e de uma dimensão espiritual para tudo, e, desviava a atenção das pessoas dos prazeres físicos e corporais para as realidades espirituais e superiores. Por tudo isso, e muito mais, Clemente encontrou reflexos e paralelismos da verdade cristã no melhor da filosofia grega.
Clemente acreditava que a filosofia ajudaria na luta do cristianismo contra as heresias. Os falsos ensinos frequentemente surgem do mau entendimento; a filosofia procura ser lógica e emprega a dialética para testar as alegações da verdade e as crenças.
Ensinos de Clemente
·        O verdadeiro gnóstico - Uma das áreas mais contravertidas da teologia de Clemente é o seu ideal do cristão como “o verdadeiro gnóstico” ou “o gnóstico perfeito”. Clemente chegou a ponto de declarar que o verdadeiro gnóstico cristão pode “se tornar Deus” nesta vida, despindo-se do “desejo” e tornando-se “impassível, livre da ira”. Ele queria dizer que essa pessoa se reveste da imagem de Deus e se torna realmente boa, embora somente sob a forma de um ser criado e dependente de Deus. Ele tinha em mente a idéia da divinização, a idéia de que o alvo da salvação é compartilhar da natureza divina refletindo a imagem de Deus e alcançando a imortalidade.
·        Jesus Cristo - Clemente enxergava Jesus Cristo não apenas como um homem que ensinava coisas boas e que teve a morte de um mártir como Sócrates, mas como a encarnação da Sabedoria divina, e, de certo modo, o próprio Deus.
·        Corpo físico – Ele tratava o corpo e a matéria como uma “natureza inferior” e os contrastava nitidamente com a natureza “superior e melhor” da alma, que descrevia como a parte racional do indivíduo. Nesse ponto ele difere do gnosticismo, pois nega expressamente que a matéria ou o corpo são iníquos. São apenas inferiores ao espírito e a alma. Essa idéia da humanidade e da criação é, naturalmente, mais platônica do que bíblica. Platão e seus seguidores enfatizavam o lado espiritual da pessoa como superior e melhor do que o lado físico e equiparavam-no com a razão.
·        Deus – As idéias de Clemente a respeito de Deus e da imagem de Deus no ser humano revelam sua instrução grega. Repetidas vezes, Clemente reitera a opinião de que Deus não tem paixões e que é assim que o verdadeiro gnóstico deve ser. As paixões e os desejos são limitantes por natureza e Deus, de acordo com Clemente e com a filosofia grega predominante naquele tempo, é livre por natureza de todas as limitações das criaturas, inclusive de paixões (desejos e emoções).
          Uma pergunta óbvia para a interpretação de Clemente a respeito da natureza divina é: como se explica a ira de Iavé? Se Deus não tem partes nem paixões, por que as Escrituras hebraicas descrevem-no como irado, zangado e vingativo? Clemente respondeu: “antropomorfismos!”.[1] Quando perguntado sobre a ira de Jesus ao virar a mesa ou outra manifestação de sentimentos. Clemente responde que são manifestações do homem Jesus.


Obras: Cinco livros de Clemente existem ainda hoje: Exortações aos pagãos; O instrutor; Stromata; Quem é o rico que será salvo? Seleções de Teodócio.




[1] Antropomorfismo – Figuras de linguagem ou forma como os seres humanos percebem e sentem Deus.

Tertuliano de Cartago (150-212)
Nasceu por volta de 150 d.C., em Cartago (cidade ao nordeste da África), onde provavelmente passou toda a sua vida, embora alguns estudiosos afirmem que ele morasse em Roma. Por profissão, sabe-se que era advogado em Roma. Fazia visitas com freqüência a Roma, sendo que, aos 40 anos, se converteu ao cristianismo, dedicando seus conhecimentos e habilidades jurídicas ao esclarecimento da fé cristã ortodoxa contra os pagãos e os hereges.
Nunca foi ordenado ao sacerdócio, nem chegou a ser canonizado pela igreja católica e ortodoxa, a qual abandonou por volta de 207. Neste período de 207 Tertuliano associou-se ao movimento montanista, que posteriormente manifestou tendências sectárias.
Tertuliano foi o precursor de Cipriano, que se tornou seu discípulo, bem como de Agostinho.
O legado escrito de Tertuliano que ainda existe inclui cerca de trinta obras. Vamos destacar somente duas.

Obras:
·        Contra Marcião – Marcião foi um mestre entre os cristãos de Roma no século II que tentou forçar uma separação permanente entre o cristianismo e tudo quanto era hebraico, inclusive o Deus de Israel (Iavé) e o Pai de Jesus Cristo. Marcião também tentou definir um cânon de Escrituras cristãs, limitado a escritos gentios. Alguns dos seu pensamentos a respeito da humanidade e da criação tinham uma pitada de gnosticismo e Tertuliano nada poupou no seu ataque contra os ensinos de Marcião.
·        Contra Práxeas – Práxeas foi, talvez, o primeiro teólogo cristão que tentou explicar a doutrina da Trindade com detalhes sistemáticos. Ao fazê-lo, porém, parece que obliterou com suas explicações a verdade ontológica da trindade das pessoas Divinas. Isto é, Práxeas negou que os cristãos cressem em três identidades, ou até mesmo relações, dentro do único ser. A teoria de Práxeas posteriormente veio a ser chamada “modalismo” e foi revivificada por outro mestre posterior do cristianismo em Roma chamado Sabélio.

A teologia de Tertuliano foi, em grande parte, condicionada pelo seu conflito com os gnósticos. Suas conhecidas afirmações contra a filosofia devem ser vistas neste contexto, pois em sua opinião, a filosofia era a fonte de heresias gnósticas.
Foi o pai das doutrinas ortodoxas da Trindade e da pessoa de Jesus Cristo. Suas doutrinas a respeito da Trindade e da pessoa de Cristo foram forjadas no calor da controvérsia com Práxeas[1] que, segundo Tertuliano, “sustenta que existe um só Senhor, o Todo-Poderoso criador do mundo, apenas para poder elaborar uma heresia com a doutrina da unidade. Ele afirma que o próprio Pai desceu para dentro da virgem, que Ele mesmo nasceu dela, que Ele mesmo sofreu e que, realmente, era o próprio Jesus Cristo”.
Segundo parece, Práxeas ensinava que existe uma só identidade pessoal em Deus e que essa identidade singular podia ser manifestada como o Pai, ou como o Filho, ou como o Espírito Santo. (Este é o conceito do Modalismo à mais tarde veio a surgir o monarquianismo modalista[i]).
Tertuliano foi o primeiro teólogo cristão a confrontar e a rejeitar com grande vigor e clareza intelectual essa visão aparentemente singela da Trindade e da unidade de Deus. Ele declarou que se esse conceito fosse verdade, então o Pai tinha morrido na cruz, e isso, além de ser impróprio para o Pai, é absurdo.
Contra o modalismo de Práxeas, Tertuliano desenvolveu o conceito um pouco mais complexo do “monoteísmo orgânico”, isto é, a “unicidade” de Deus não impede nem exclui qualquer tipo de multiplicidade, assim como os organismos biológicos podem ser “um” e, ao mesmo tempo, consistir em partes interligadas e mútuas. Em outras palavras, de acordo com Tertuliano, o Deus no qual os cristãos acreditam está em uma só substância e três pessoas; sendo que substância se refere a existência ontológica fundamental que faz com que uma coisa seja o que é; e pessoase refere a identidade de ação que fornece a qualidade de ser distinto.
Tertuliano elaborou pormenores minuciosos da doutrina da Trindade por contraste com as heresias de Práxeas. Talvez por se desviar para o montanismo, a contribuição de Tertuliano nessa área foi deixada de lado.
Tertuliano rejeitava o ideal do cristão maduro como o “verdadeiro gnóstico” exposto por seu contemporâneo, Clemente de Alexandria. Para Tertuliano o cristão maduro não tinha o menor interesse na especulação mental além das Escrituras, dos ensinos apostólicos e da regra de fé da igreja.
Influenciado pelo Pastor de Hermas, livro, que particularmente gostava muito, e, que ensinava que os cristãos são perdoados somente uma vez de um pecado grave após o batismo, o levou argumentar com veemência que o batismo devia ser adiado até quando o crente tivesse certeza de possuir forças para não mais pecar.

Obs8.: Orígenes e Clemente eram conhecidos como teólogos Alexandrinos[2]A escola alexandrina esteve por muitas vezes em discussões acirradas com a escola antioquiana[3].

Obs9.: Os alexandrinos ofereceram uma cosmovisão sistemática baseada em princípios filosóficos, em que o cristianismo foi inserido e conservado como a mais elevada sabedoria.

Os teólogos alexandrinos queriam preservar a tradição cristã de maneira fiel, e para consegui-lo apoiavam-se firmemente na Escritura. Ao mesmo tempo também possuíam um ponto de vista filosófico coerente, em cujo contexto procuravam inserir o conteúdo da revelação de modo a criar novo sistema teológico.


[1] Práxeas era um representante modalista. Durante os últimos anos do segundo século surgiram duas correntes teológicas chamadas pelo mesmo nome: monarquianismo (dinamista e modalismo). O conceito “monarquiano” do qual estas duas escolas tomam seu nome, apareceu nos escritos de Tertuliano, que o usou com referência à unidade de Deus.
Devemos destacar que a doutrina da igreja opô-se ao monarquianismo de modo especial nos seguintes pontos: a doutrina da consubstancialidade do Filho com o Pai (contra o dinamismo);  a doutrina das três pessoas da Divindade (contra o modalismo); a doutrina do nascimento do Filho na eternidade (contra ambos).
Entre os que se opuseram ao monarquismo e contribuíram para desenvolvimento teológico dentro da igreja no final do terceiro século encontram-se Novaciano e Metódio.
[2] Teólogos Alexandrinos à Alexandria (localizada no Egito), foi o grande centro cultural da época, mesmo do ponto de vista católico. Naquele famoso didascaléion, naquela celebrizada escola catequética, espécie de faculdade teológica, foram luminares Clemente e Orígenes.
Alexandria competiu com Antioquia, e em especial com Constantinopla pelo domínio eclesiástico do Oriente, e nesta luta pelo poder entraram também questões teológicas.
Os teologos alexandrinos se referiam a Maria como theotókos (a mãe de Deus). Esta conclusão harmonizava-se com a adoração à Maria que estava crescendo naquela época. Diziam que Maria não foi contaminada pela máculo do pecado original e afirmavam também que Maria permanecera Virgem durante toda sua vida. O Sinodo de Éfeso (em 431) decidiu em favor da teologia alexandrina contra a teologia de nestoriana que não reconhecia Maria como theotókos (Nestório – Escola de Antioquia).
[3] Escola de Antioquia foi uma das duas grandes escolas no estudo da exegese bíblica e da teologia durante o final da antiguidade. Este grupo ficou conhecido por este nome por que os seus principais defensores moravam na cidade de Antioquia, um das maiores do antigo Império Romano.
A Escola de Antioquia (localizada na Síria) foi fundada por Luciano de Samosata ( 240-312 DC ), um teólogo cristão que deu origem a uma linha de interpretação de estudos bíblicos conhecida pela sua erudição e conhecimento das línguas originais. Essa escola se tornou famosa por sua abordagem literal e histórica dos contextos das sagradas escrituras. Buscavam principalmente descobrir a intenção do autor, como meio para determinar o sentido de uma passagem bíblica.



Orígenes (185-254)
Nasceu de pais cristãos em 185 ou 186 da nossa era, provavelmenteem Alexandria. Era escritor cristão de vasta erudição, de expressão grega e, inicialmente, com ação em sua cidade natal. Estudou letras e aprendeu de cor textos bíblicos com seu pai, que foi morto por ocasião da repressão do imperador Sétimo Severo às novas religiões.
O bispo de Alexandria passou a Orígenes a direção da Escola Catequética, sendo então sucessor de Clemente. Estudou na escola neoplatônica de “Ammonios”. Viajou a Roma, em 212, onde ouviu ao sábio cristão Hipólito. Em 215, organizou em Alexandria uma escola superior de Exegese Bíblica. Devido ao seu vasto conhecimento, viajava muito e ministrava ao público nas igrejas.
O fato de se haver castrado por devoção lhe criou dificuldades com alguns bispos, que contrariavam o sacerdócio dos eunucos. Em 232, transferiu-se para Cesaréia, na Palestina, onde se dedicou exaustivamente aos seus estudos. Sobreviveu aos tormentos de que foi vítima sob o domínio do imperador Décio (250-252). Posteriormente a esta data, morreu em Tiro, não se sabendo exatamente quando.
Era considerado o membro mais eminente da escola de Alexandria e estudioso dos filósofos gregos. Acreditava que a alma preexiste e está subordinada à metempsicose (mudança da alma, transmigração da alma e um corpo para outro corpo). Aqui vemos nele uma tese tipicamente pitagórica e platônica, sendo abandonada depois pelo cristianismo oficial. Todavia, é relembrada ainda hoje por aqueles que a defendem como doutrina cristã: os espíritas.

Obra mais importante: - Hexapla (Sêxtupla).

Origem da palavra cânon – Orígenes
A palavra cânon vem do assírio “Qânu”. É usada 61 vezes no Antigo Testamento, sempre em seu sentido literal, que significa “cana”, “balança”. O primeiro a usar esse termo foi Orígenes, para se referir à coleção de livros sagrados, que eram ou serviam de regra e fé para o ensino cristão.

Cipriano (200-258)
Tharsius Caecilius Cyprianus. Converteu-se em 246 d.C. e, três anos depois, foi nomeado bispo de Cartago, no norte da África.
Durante dez anos, conduziu seu rebanho sob a perseguição do imperador Décio, uma das mais cruéis. Foi também o grande sustentáculo moral e espiritual da cidade de Cartago no período em que esta foi atacada por uma epidemia. Além disso, escreveu e batalhou pela unidade da Igreja.
Seu nome está ligado a uma grande controvérsia a respeito do batismo e da ordenação efetuada por hereges. No entender de Cipriano, essas cerimônias não valiam, pelo fato de os oficiantes estarem em desacordo com a ortodoxia. Assim, deveriam ser rebatizados e reordenados todos os que entrassem pela verdadeira Igreja. Estevão, bispo de Roma, discordou com ele e isso gerou um cisma, uma vez que Cipriano, além de rejeitar a autoridade do bispo romano, convocou um concílio no norte da África para resolver a questão.
Seus escritos consistem em tratados de caráter pastoral e de cartas, 82 ao todo, das quais 14 eram dirigidas a ele mesmo e as restantes tratavam de questões de sua época.
Como mártir, morreu decapitado em 14 de setembro de 258 d.C, durante a perseguição do imperador Valeriano


4 – OS TEÓLOGOS
Os Teólogos são caracterizados pela aplicação da Teologia em áreas filosóficas e científicas.

·        Data: Quarto Século (325 - 460).
·        Objetivo: Aplicar métodos científicos na interpretação bíblica.
·        Preeminentes do Ocidente: Jerônimo, Ambrósio e Agostinho.
·        Preeminentes do Oriente: Crisóstomo e Teodoro.
·        Preeminentes de Alexandria: Atanásio, Basílio de Cesaréia e Cirilo.

O desafio do monarquianismo retornou de forma mais aguda nas violentas controvérsias eclesiásticas do quarto século. Foi então que a ameaça do arianismo foi combatida e que a fórmula trinitária da igreja foi estabelecida nos concílios[ii] ecumênicos de Nicéia (325) e Constantinopla (381).
Há também uma conexão puramente histórica entre Ario, o herético que provocou os maiores conflitos do século quarto, e o monarquianismo dinamista. Ario, presbítero em Alexandria por volta de 310, foi discípulo de Luciano de Antioquia, que por sua vez, era seguidor de Paulo de Samósata.
Na opinião de Ario, Cristo não podia ser Deus no sentido pleno do termo; devia, em vez disso, fazer parte da criação. Como resultado, Ario considerava Cristo como “ser intermediário”, menos do que Deus e mais do que homem. Também dizia ser Cristo criatura, tendo sido criado ou no tempo ou antes do tempo. Ario, portanto, negava a preexistência do Filho em toda a eternidade.
O próprio bispo de Ario, Alexandre, voltou-se contra ele e o excomungou por motivo de heresias por volta de 320. As idéias de Ario se alastraram por todo o Oriente, e Ario recebeu o apoio de Eusébio de Nicomédia, entre outras. O imperador Romano Constantino tentou resolver este problema, pois o mesmo já afetava não somente a unidade da igreja como a coesão do próprio império. Em vista de resolver este problema foi convocado o primeiro Concílio de Nicéia no ano 325.

4.1 – PRINCIPAIS NOMES DO CHAMADOS TEOLÓGOS
Eusébio de Cesáreia (265-339)
Incentivado por Constantino, Eusébio fez a narração da primeira história do cristianismo, coroando-a com a sua imperial adesão a Cristo. “A ortodoxia era apenas uma das várias formas de cristianismo, durante o século III, e pode só ter se tornado dominante no tempo de Eusébio” (JOHNSON, 2001: 69).
Eusébio entrou em disputa com Eustátio de Antióquia, que se opunha à crescente aceitação das teorias de Orígenes e, em especial, por este ter praticado uma exegese alegórica das escrituras, o que interpretava como sendo a origem teológica do arianismo (veja Escola de Antioquia). Eusébio, admirador de Orígenes, foi repreendido por Eustátio que o acusou de se afastar da fé de Niceia. Eusébio retorquiu, acusando Eustátio de seguir ideias sabelianas. Eustátio foi acusado, condenado e deposto numsínodo, em Antióquia. Grande parte do povo de Antióquia rebelou-se contra esta decisão eclesiástica, enquanto os anti-eustatianos propunham Eusébio como novo Bispo. Ele recusou a oferta.

Cesaréia
Fundada pelo rei Herodes no século I a.C. em um porto comercial fenício e grego denominado Torre de Straton, Cesaréia foi assim denominada pelo monarca em homenagem ao imperador romano César Augusto.
A cidade foi detalhadamente descrita pelo historiador judeu Flávio Josefo. Era uma cidade murada, com o maior porto na costa oriental do Mediterrâneo chamado “Sebastos”, nome grego do imperador Augusto.

Atanásio (295-373 d.C.).
O mais zeloso defensor da fé, no conflito da igreja contra o arianismo e o poder imperial que apoiava os heréticos, por longo tempo, foi Atanásio.
Quando morreu em 373, a controvérsia ariana ainda estava em andamento, mas como resultado de suas contribuições, o caminho estava aberto para a vitória final da teologia nicena no Concílio de Constantinipla de 381.
Na luta contra o arianismo, Atanásio desenvolveu a doutrina eclesiástica da Trindade e do Logos.
Em sua doutrina da Trindade, que se dirigia especialmente contra o arianismo, Atanásio salientava de modo enfático que o Filho é da mesma substância do Pai (homooúsios[6]). Esta idéia não era aceita por Apolinário[7].
Embora a apresentação de Atanásio de ortodoxia nicena fosse fundamental a seu desenvolvimento subseqüente, suas fomulações não foram seguidas estritamente na doutrina da Trindade sancionada pela igreja.
Foi em grande parte devido à influência dos três capadocianos (Basílio – o grande, 379; Gregório de Nissa – por volta de 384; Gregório de Nazianzo - por volta de 390) que a teologia nicena finalmente triunfou como verdadeira posição média entre o arianismo e o modalismo.
No que tange à teologia oriental, os capadocianos chegaram a formular a doutrina da Trindade de modo mais ou menos definitivo. Desenvolvimento correspondente também ocorreu no Ocidente, em parte como resultado da influência da teologia oriental. Agostinho, mais que qualquer outro, deu forma definitiva à posição ocidental neste ponto, especialmente em seu livro De Trinitate. A teologia de Agostinho forneceu a base para a posição trinitária encontrada no Credo Atanasiano, o último dos três Credos Ecumênicos.

Jerônimo (325-378)
Erudito das Escrituras e tradutor da Bíblia para o latim. Sua tradução, conhecida como a Vulgata, ou Bíblia do Povo, foi amplamente utilizada nos séculos posteriores como compêndio para o estudo da língua latina, assim como para o estudo das Escrituras.
Nascido por volta do ano 345 em Aquiléia (Veneza), extremo norte do Mar Adriático, na Itália, Jerônimo passou a maior parte da sua juventude em Roma, estudando línguas e filosofia. Apesar de a história não relatar pormenores de sua conversão, sabe-se, porém, que ele foi batizado quando tinha entre 19 e 20 anos. Depois disso, ele embarcou em uma peregrinação pelo Império que levou vinte anos.

Crisóstomo (344-407)
Criado em Antioquia, seus grandes dotes de graça e eloqüência, como pregador, levaram-no a ser chamado a Constantinopla, onde se tornou patriarca (ou arcebispo). Como os outros apologistas, harmonizou o ensinamento cristão com a erudição grega, dando novos significados cristãos a antigos termos filosóficos, como a caridade.
Em seus sermões, defendia uma moralidade que não fizesse qualquer transigência com a conveniência e a paixão, e uma caridade que conduzisse todos os cristãos a uma vida apostólica de devoção e de pobreza comunal. Essa piedosa mensagem, entretanto, tornou-o impopular na corte imperial, e também entre alguns membros do clero de Constantinopla, por isso acabou sendo banido e morreu no exílio.

Agostinho (354-430)
Aurélio Agostinho nasceu no ano de 354, na cidade de Tagaste de Numídia, província romana ao norte da África, atual região da Argélia. Agostinho iniciou seus estudos em sua cidade natal, seguindo depois para Cartago. Ensinou retórica e gramática, tanto no Norte da África como na Itália. Ficou conhecido como o filósofo e teólogo de Hipona. Polemista capaz, pregador de talento, administrador episcopal competente e teólogo notável, criou uma filosofia cristã da história que continua válida até hoje em sua essência.
Inspirado no tratado filosófico denominado “Hortensius”, de Cícero, converteu-se em ardoroso pesquisador da verdade, abraçando o maniqueísmo. Com vinte anos, perdeu o pai e tornou-se o responsável pelo sustento da família. Ao resolver que iria para Roma, sua mãe foi contra, então teve de enganá-la na hora da viagem. De Roma, foi para Milão, onde novamente passou a lecionar retórica.
Influenciado pelos estóicos, por Platão e pelo neoplatonismo, também estava entre os adeptos do ceticismo. Em Milão, porém, conheceu Ambrósio, que o converteu ao cristianismo. Depois disso, voltou ao norte da África, onde foi ordenado sacerdote e, mais tarde, consagrado bispo de Hipona. Combateu a heresia maniqueísta que antes defendia e participou de dois grandes conflitos religiosos: o Donatismo e o Pelagianismo. Sua obra mais conhecida é a autobiografia “Confissões”, escrita, possivelmente, no ano 400. Em “A cidade de Deus” (413-426) formulou uma filosofia teológica da história.

Abaixo segue uma lista com os nomes de alguns dos chamados “pais da igreja” por ordem de nascimento:
Inácio: Bispo de Antioquia na Síria, I e II século.
Policarpo: Bispo de Esmirna, 70-155.
Justino, o Mártir: Apologista de Samaria, 100-165.
Irineu: Polemista antignóstico de Esmirna, 130-200.
Clemente: Escritor de Alexandria, 155-220.
Tertuliano: Escritor e Apologista de Cartago, 160-230.
Orígenes: Escritor e Teólogo de Alexandria, 185-254.
Cipriano: Polemista anti-novaciano de Cartago, 246-258.
Eusébio: Historiador da Igreja, 265-339.
Jerônimo: Tradutor da Bíblia para o Latim, a Vulgata, 325-378.
Crisóstomo: Expositor e Orador de Antioquia, 347-407.
Agostinho: Filósofo e Teólogo de Hipona, Norte da África, 354-430.


[1] Gnosticismo à Este era resultado da mistura da religião helenística com o cristianismo. Os elementos mais marcantes neste sistema eram certas especulações místicas e cosmológicas, além do dualismo entre o mundo do espírito e o mundo material. Sua doutrina da salvação salientava o livramento do espírito de sua servidão na esfera material. Esta religião tinha seus próprios mistérios e cerimônias sacramentais, além de uma ética que preconizava ou o ascetismo ou a libertinagem.
[2] Ebionitas à Estes sustentavam a validade da lei de Moisés; uma fração julgava que isto só se aplicava a eles, mas outra fração, mais militante, insistia que os cristãos de origem pagã também eram obrigados a cumprir a lei de Moisés. Outra idéia básica associada aos ebionitas era que esperavam o estabelecimento de um reino messiânico em Jerusalém. Isto reflete sua identificação de judaísmo e cristianismo (Benget Hängglund).
[3] Práxeas era um representante modalista. Durante os últimos anos do segundo século surgiram duas correntes teológicas chamadas pelo mesmo nome: monarquianismo (dinamista e modalismo). O conceito “monarquiano” do qual estas duas escolas tomam seu nome, apareceu nos escritos de Tertuliano, que o usou com referência à unidade de Deus.
Devemos destacar que a doutrina da igreja opô-se ao monarquianismo de modo especial nos seguintes pontos: a doutrina da consubstancialidade do Filho com o Pai (contra o dinamismo);  a doutrina das três pessoas da Divindade (contra o modalismo); a doutrina do nascimento do Filho na eternidade (contra ambos).
Entre os que se opuseram ao monarquismo e contribuíram para desenvolvimento teológico dentro da igreja no final do terceiro século encontram-se Novaciano e Metódio.
[4] Teólogos Alexandrinos à Alexandria (localizada no Egito), foi o grande centro cultural da época, mesmo do ponto de vista católico. Naquele famoso didascaléion, naquela celebrizada escola catequética, espécie de faculdade teológica, foram luminares Clemente e Orígenes.
Alexandria competiu com Antioquia, e em especial com Constantinopla pelo domínio eclesiástico do Oriente, e nesta luta pelo poder entraram também questões teológicas.
Os teologos alexandrinos se referiam a Maria como theotókos (a mãe de Deus). Esta conclusão harmonizava-se com a adoração à Maria que estava crescendo naquela época. Diziam que Maria não foi contaminada pela máculo do pecado original e afirmavam também que Maria permanecera Virgem durante toda sua vida. O Sinodo de Éfeso (em 431) decidiu em favor da teologia alexandrina contra a teologia de nestoriana que não reconhecia Maria como theotókos (Nestório – Escola de Antioquia).
[5] Escola de Antioquia foi uma das duas grandes escolas no estudo da exegese bíblica e da teologia durante o final da antiguidade. Este grupo ficou conhecido por este nome por que os seus principais defensores moravam na cidade de Antioquia, um das maiores do antigo Império Romano.
A Escola de Antioquia (localizada na Síria) foi fundada por Luciano de Samosata ( 240-312 DC ), um teólogo cristão que deu origem a uma linha de interpretação de estudos bíblicos conhecida pela sua erudição e conhecimento das línguas originais. Essa escola se tornou famosa por sua abordagem literal e histórica dos contextos das sagradas escrituras. Buscavam principalmente descobrir a intenção do autor, como meio para determinar o sentido de uma passagem bíblica.

[6] Homooúsios (doutrina que afirma que Cristo tem a mesma substância do Pai) cria uma nova discussão cristológica. Como se relaciona a divindade de Cristo com sua humanidade? Como pode aquele que é verdadeiro Deus ser também homem ao mesmo tempo?
Perguntas deste teor já haviam brotado no período inicial da história da igreja, especialmente no conflito com os docetistas e na rejeição dos ebionitas. As tendências heréticas, implícitas nessas escolas de pensamento reapareceram em novas formas durante as assim chamadas controvérsias cristológicas, que tiveram lugar de destaque no desenvolvimento do dogma a partir de meados do quarto século.
[7] Apolinário não aceitava a tese de que o Filho (Logos) sendo da mesma substância do Pai aparecer em forma humana. Como poderia ser Deus e homem ao mesmo tempo? Apolinário acreditava que Cristo tinha apenas uma natureza e uma hipóstase (subsistência, uma realidade permanente). Para ele a natureza do logos foi transmutada em carne, assumindo uma qualidade divina. Apolinário enfatizava a divindade de Cristo perdendo de vista sua verdadeira humanidade.
A oposição a Apolinário partiu especialmente dos capadocianos e da escola de Antioquia. No conflito contra ele, a oposição salientava que a verdadeira humanidade de Cristo tem de significar que ele não só tinha corpo humano, mas também alma humana, pois corpo e alma juntos é que  formam a essência da humanidade. Sem a razão humana o homem não é mais homem.


[i]Monarquianismo à Nessa época surgiram os que Tertulíano chamou de monarquianistas (do grego monarchia - governo exercido por uma única pessoa). Os monarquianistas dinâmicos (do grego dyna­mis “força, poder”, pois diziam que Deus deu força e poder a Jesus, adotando-o como Filho), negavam a divindade absoluta de Jesus, e também a Trindade. Esta heresia era o prenúncio do arianismo, que, no início de terceiro século, negava a eternidade de Jesus, pois considerava Cristo um deus de segunda categoria, igual ao ensino das Testemunhas de Jeová. Essa doutrina dos dinâmicos era defendida por Teodoro de Bizâncio, Artemão e Paulo de Samosata.
Monarquianistas modais ou modalistas ensi­navam que as três pessoas da Trindade mani­festavam-se de vários modos, daí o nome mo­dalista. Defendidos por Noeto de Esmirna e Práxeas de Cartago, ensinavam que o Pai nas­ceu e sofreu, e que Jesus era o Pai. Por essa razão, no Ocidente, eles eram chamados de patripassianistas (do latim Pater “Pai” e passus de patrior “sofrer” - o Pai encarnou-se em Cris­to e sofreu com Ele). No Oriente eram chama­dos sabelianistas, pois o heresiarca Sabélio foi quem mais se destacou na propagação dessa heresia. Segundo essa doutrina, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são apenas três aspectos da Divindade, sendo, portanto, uma só Pessoa. Esse ensinamento do bispo Sabélio é hoje chamado de sabelianísmo ou modalismo.
Sabélio usava a palavra “pessoa” para cada Pessoa da Trindade, mas para ele essa “pessoa” tinha o sentido de máscara ou manifestações diferentes de uma mesma Pessoa Divina. Na sua concepção o Pai, o Filho e o Espírito Santo são nomes de três estágios ou fases diferentes. Ele era Pai na criação e na promulgação da Lei; Filho na encarnação, Espírito Santo na regeneração. Essa doutrina foi combatida por Tertuliano em Contra Prãxeas, quando pela primeira vez este apologista usa o termo Trinitas (“Trindade”) para a Divindade:

“Todos são de um, por unidade de substância, embora ainda esteja oculto o mistério da dispensação que distribui a unidade em uma Trindade, colocando em sua ordem os três: Pai, Filho e Espírito Santo; três contudo,... não em substância, mas em forma, não em poder, mas em aparência, pois eles são de uma só substân­cia e de uma só essência e de um poder só, pois é de um só Deus que esses graus, formas e aspectos são reconhecidos com o nome de Pai, Filho e Espírito Santo.”

Modalismo moderno
Restauração do modalismo. O sabelianismo ganhou espaço por mais ou menos cem anos em Roma, Ásia Menor, Síria e Egito. Em 263 A.D., Dionísio de Alexandria enfrentou o pró­prio Sabélio, derrotando o sabelianismo. De­pois disso o cristianismo passou a repudiar o sabelianísmo, e o combate a essa heresia conti­nuou até que ela desapareceu completamente da história. Depois de muitos séculos, esse en­sinamento retornou das profundezas do Infer­no, por John G. Schepp, fundador da seita “Só Jesus”, em 1913. Temos no Instituto Cristão de Pesquisas (ICP) uma lista de mais de quinze seitas modalístas. 




2ª PARTE

A IDADE MÉDIA: DE AGOSTINHO A LUTERO

1 – A Controvérsia Sobre O Agostinianismo Até O Sínodo De Orange, 529
As doutrinas da graça e da predestinação de Agostinho suscitaram ampla controvérsia mesmo antes de sua morte, e continuaram a ocupar o centro da discussão teológica durante a Idade Média e mesmo, em parte, até no período após a Reforma. Os seguintes problemas assumiram importância especial: a extensão do livre arbítrio, o papel da graça na conversão e regeneração do homem e o significado da predestinação.
A assim chamada escola de pensamento “semipelagiana” também surgiu em oposição a Agostinho; esta propagou-se especialmente na Gália[1]. A doutrina da predestinação de Agostinho foi interpretada como fatalismo pelos semipelagianos, e esta era a principal causa de sua oposição. A idéia que a vontade é incapaz de fé e boas obras em geral, também foi considerada objetável.
O principal expoente da posição semipelagiana foi João Cassiano nasceu em 360 e morreu no ano 432fundador do mosteiro de São Vitor em Marselha (em 410).
O mosteiro de João Cassiano em Marselha tornou-se um lar para vários estudantes de teologia, relativamente brilhantes e produtivos, e, com ele, transformou-se no foco de oposição à teoria da salvação fortemente monergística defendida por Agostinho.
As gerações posteriores chamaram João Cassiano, Fausto de Riez e Vicente de Lérins de simipelagianos. Podemos incluir outros nomes, mas estes foram os mais importantes deste movimento.
O semipelagianismo não é ramo da teologia pelagiana; em vez disso, tem sua origem na tradição pré-agostiniana do Oriente. Os semipelagianos acreditavam que se poderia evitar a heresia pelagiana sem fazer uso das idéias extremadas inerentes à doutrina da graça de Agostinho. João Cassiano, que via as coisas do ponto de vista monástico, afirmava:

Que o homem pode viver vida moral. O pecado é herdado de Adão no sentido que toda a raça humana participa de sua transgressão. Por causa disto, o homem não pode ser salvo ou viver vida virtuosa sem a ajuda de graça. Mas as sementes do bem, que só precisam ser reavivadas pela graça, estão presentes na vida humana. Pelo exercício do livre arbítrio, o homem pode ou rejeitar a graça ou dedicar-se a ela. Quando o homem é convertido, às vezes, é Deus quem toma iniciativa, mas em outras ocasiões Ele espera que nós nos decidamos, de modo que nossa vontade antecipa a vontade de Deus. Deus não deseja a condenação de qualquer homem. Quando isto acontece, é feito contra a sua vontade.

Nos anos seguintes, esta corrente teológica foi amplamente aceita na Gália.
Expressões como “Deus ajuda quem cedo madruga” ou “dê o primeiro passo em direção a Deus, e, Ele virá ao seu encontro” representam bem o pensamento semipelagiano. Deus age a partir do momento em que demonstramos interesse por Ele.
Próspero de Aquitânia (390-465) procurou promover o ponto de vista puramente agostiniano, enquanto Fausto de Rieza (410-495) opô-se a ele, inclinando-se mais até do que Cassiano em direção ao pelagianismo.
Fausto concordava com Cassiano em dizer que a vontade divina e a humana cooperam. Mas não acreditava que a graça era poder interno vivificador; em sua opinião, a graça era apenas a iluminação e o despertar que ocorrem na pregação, ou pela revelação da Escritura. O poder de atração da graça e o consentimento da vontade se reúnem para produzir a conversão. A predestinação baseia-se tão somente na presciência do mérito humano.
Por algum tempo o semipelagianismo alcançou grande sucesso; foi confirmado por um sínodo em Arles em 473, por exemplo. Mas nunca triunfou definitivamente. Os papas em Roma jamais estiveram muito interessados nos conflitos teológicos na Gália, e deram a maior parte de seu apoio à oposição de Agostinho.
O principal dos discípulos de Agostinho (depois de Próspero) foi Fulgêncio de Ruspe (468-533) talvez o mais destacado teólogo desse período. Foi bispo no Norte da África, mas ficou longo tempo na Sardenha. Ensinava que ninguém que fora escolhido na eternidade se perderia, e também, que ninguém que não tinha sido predestinado para a salvação poderia ser salvo.
Nessa época, Cesário de Arles (470-543) defendia as idéias agostinianas na Gália. Cesário atraiu a atenção do papa, e no Sínodo de Orange (529) conseguiu que fosse aceita uma confissão que tratava de pecado original, graça e predestinação. Neste Sínodo condenaram a crença na predestinação divina para o mal ou para a perdição, isto é, foi totalmente rejeitada a idéia de que Deus predestina homens para o inferno. A posição semipelagiana foi repudiada nesta confissão, enquanto que a doutrina agostiniana da graça foi imposta. Esta decisão foi confirmada no ano seguinte pelo papa Bonifácio II e subsequentemente recebeu prestígio quase canônico.
A conclusão final do Sínodo de Orange é que nem a fé, nem o amor e nem as boas obras resultam da atividade do livre arbítrio; devem ser precedidas pela graça divina do Deus misericordioso. Esta graça é recebida por intermédio do batismo. Sendo sinceros, todos os batizados podem – com a ajuda de Cristo – cumprir com aquilo que se relaciona com a salvação da alma. Nesta conexão a idéia da dupla predestinação foi rejeitada; os que ensinavam que alguns são predestinados ao inferno foram condenados pelo Sínodo de Orange.
É correto dizer que o Sínodo de Orange marca o fim da controvérsia em torno do agostinianismo. Mas os problemas suscitados no tumulto provocado por esta controvérsia continuaram a produzir prolongados debates.
A igreja sempre permaneceu um pouco dividida entre o agostinismo moderado e semipelagianismo. Muitos teólogos buscaram posições intermediárias entre o monergismo de Agostinho e as obras de justiça defendida por Pelágio.



[1] Gália à Atual região da França.


  
3ª PARTE

1 - A TRANSIÇÃO DO PERÍODO ANTIGO AO MEDIEVAL

1.1 – Nomes Deste Período de Transição
Durante o período agitado da época da queda do Império Romano Ocidental, quando os povos germânicos assumiram o domínio político, as questões teológicas mais importantes passaram a receber cada vez menos atenção da parte dos líderes da igreja. Apesar disso, no entanto, os fundamentos da teologia escolástica posterior, bem como da cultura medieval em geral, foram lançados nessa época. Importante contribuição foi feita pelos que labutaram para preservar a herança da antiguidade para o período medieval que surgia.

·        Boécio (por volta de 510-525)
Entre estes encontra-se Boécio, filósofo cristão e funcionário do Imperador Teodorico. Acusado de manter relações com o Império Romano Oriental. Boécio foi aprisionado e afinal executado em Pávia, em 525. É lembrado como o “último romano” e ainda como o “primeiro escolástico”.

·        Dionísio (por volta de 485-515)
Os escritos atribuídos a Dionísio, o Areopagita, também pertencem a este período. Em quatro tratados intitulados O Nome Divino, A Hierarquia Divina, A Hierarquia Eclesiástica e A Teologia Mística apresentou um sistema em padrões neoplatônicos. Tratou nele, entre outras coisas, de anjos, apresentou suas próprias idéias sobre os sacramentos e ofícios da igreja, bem como o caminho da alma à salvação, segundo os postulados do misticismo.

·        Cassiodoro (por volta de 583)
Como Boécio, estadista no reino dos ostrogodos, fez sua reputação como colecionador e enciclopedista.

·        Benedito de Núrsia (por volta de 547)
Famoso monge cuja regra monástica dominou os mosteiros ocidentais até ao século 12. Em virtude de suas recomendações sobre o estudo e a escrita nos mosteiros, Benedito contribuiu notavelmente para o enriquecimento da vida espiritual durante a Idade Média.

·        Isidoro de Sevilha (por volta de 636)
Mais do que qualquer outro, reuniu o conhecimento científico e teológico daquela época e o tornou acessível às gerações seguintes.

·        Gregório, O Grande (540-604)
Numa época de decadência religiosa e de penúria material, um ex-prefeito municipal e monge (em Roma) foi eleito papa em 590. Seu nome era Gregório.
Na história do dogma, o pontificado de Gregório geralmente é considerado a linha divisória entre a igreja antiga e a Idade Média. O fundamento do papado medieval foi em parte lançado durante os anos de seu poderoso reinado. Mas as contribuições de Gregório também foram de significado fundamental no campo da teologia.
Foi um papa muito influente em um momento crucial da história da igreja ocidental e um dos mais importantes interpretes da teologia de Agostinho e promotor da piedade e estilo de vida monástico.
É frequentemente considerado pelos historiadores eclesiásticos como o último pai da igreja, e, o primeiro papa e teólogo medieval do ocidente.

1.2 - Contexto sócio-político do Império Romano no período de Gregório
Roma e o Império Ocidental estavam em decadência. Os reis bárbaros não conseguem se unir e estavam sempre guerreando entre si. O imperador bizantino Justiniano não conseguiu concretizar o desejo de reunificar o antigo Império Romano. O senado romano que tentou voltar ao governo dispersou-se e surgiu a grande necessidade de que alguém ocupa-se a vaga no poder cultural e político.

1.3 - Realizações de Gregório
Era característico de Gregório combinar a melhor tradição teológica (que tentou preservar) com elementos tomados da piedade popular. Diante disso encorajava a crença em milagres, que caracteriza a cristandade medieval.

·        Iniciou um grande esforço missionário para converter os pagãos da Grã-Bretanha e as tribos bárbaras arianas da Europa ao cristianismo católico.
·        Fundou comunidades monásticas e deu-lhes escrituras de concessão para controlarem vastos territórios da Europa , com o propósito de estabelecer uma sólida base cristã na região inteira.
·        Promoveu muitas crenças e práticas espirituais tradicionais dos leigos cristãos no Ocidente relacionadas à veneração de santos e às penitências sacrifíciais e observâncias de dias festivos.
·        Criou o conceito híbrido da salvação entre o monergismo agostiniano e o sinergismo de João Cassiano.

1.4 - Doutrinas Defendidas Por Gregório
·        Doutrina da Graça à Gregório aceitou a doutrina da graça de Agostinho, em forma simplificada, e a transmitiu à Idade Média. Ensinou que o amor e a graça de Deus precedem a ação do homem. O mérito não precede a graça, uma vez que a vontade humana é incapaz de fazer o bem. A graça preparatória transforma a vontade. Na realização daquilo que é bom, a graça coopera com o livre arbítrio. O bem, portanto, pode ser atribuído tanto a Deus como ao homem. O objetivo da graça é produzir boas obras, que podem ser recompensadas (na forma de regeneração e salvação).
·        Doutrina da Salvação à Para Gregório, “as orações, a penitência, as missas, a intercessão e as boas  obras são formas de intermediação do esforço humano com o divino”. Entretanto, ninguém seria capaz de realizar esses esforços de modo salvífico sem a graça auxiliadora. Mas quando a vontade e o esforço cooperam com a graça e a pessoa persevera até o fim e entra para o reino eterno, então, pode-se dizer que ela estava “predestinada à salvação”. A graça eletiva precisa estar presente. Segundo Gregório, ela não era automática.
·        Doutrina da Expiação à A exposição de Gregório da doutrina da expiação também serviu de modelo para vários teólogos medievais, entre eles Anselmo e Abelardo. Gregório apresentou Cristo como exemplo para os homens, bem como sendo aquele que ofereceu o sacrifício substitutivo e expiatório a Deus, pelos pecados dos homens. Ele é o mediador entre Deus e os homens, que levou sobre si a punição pela culpa dos homens.
O aspecto sacrifical da expiação associava-se à idéia que a ceia do Senhor é um sacrifício, em que a morte de Cristo é repetida misteriosamente a favor de nós.
·        A Ceia do Senhor à Além do aspecto de Cristo ser sacrificado em cada celebração, Gregório enfatizava que a Ceia do Senhor influenciava o bem-estar temporal das pessoas. Afirmava que pessoas foram salvas de tempestade, naufrágios, prisões, etc., porque receberam a Ceia do Senhor em seu favor.
·        Penitência à Gregório desenvolveu o conceito de satisfação como meio pelo qual a punição eterna podia ser mitigada ou removida; também apresentou suas idéias sobre o purgatório nesta conexão.
A pessoa que realmente quiser agradar a Deus, garantir a eleição divina e escapar da agonia do purgatório deve viver como um monge, que é a vida do “penitente perfeito”[1]. Para Gregório o prazer físico, em si, é um convite ao pecado ou mesmo o próprio pecado. As relações sexuais são pecado até mesmo dentro do casamento a não ser quando visam o propósito de procriação e, mesmo assim, se o ato tiver alguma concupiscência ou proporcionar prazer carnal, pode implicar culpa. Se a pessoa quiser ser um “instrumento perfeito” e ter a “garantia do perdão” e do céu, terá de se filiar a uma ordem monástica e negar ao corpo todos os tipos de prazeres que talvez legalmente sejam permitidos por Deus, mas que contêm sementes da tentação.

Gregório, o Grande, deve ser incluído, sem sombra de dúvida, entre os mais importantes daqueles que lançaram os fundamentos para a teologia medieval e para a cultura medieval em geral.

2 - TEOLOGIA CAROLÍNGIA
O período de tempo em Gregório, o Grande, e o início da época da escolástica (de 600 a 1050, em outras palavras) não se notabilizou  por desenvolvimento no campo da teologia. Apesar disso, uma coisa neste período é digna de nota: o entusiasmo com que os povos recentemente cristianizados se devotaram aos recursos culturais tornados  acessíveis pelo cristianismo e pela antiguidade. A era do Império Carolíngio[2] foi a época  áurea neste sentido.
Nesta era também surgiu um bom número de teólogos importantes, tais como:
·        Alcuíno (m. 804),
·        Rábano Mauro (m. 856),
·        Radberto (m. 865),
·        Ratramno (m. depois de 868),
·        Hincmaro de Reims (m. 882)

Suas atividades não tomaram a forma de novas orientações no pensamento teológico; em lugar disso, eles colecionaram e reproduziram a tradição mais antiga. Entre os Pais Eclesiásticos referiram-se especialmente a Agostinho e Gregório.
Gostaria apenas de destacar alguns pontos teológicos que foram debatidos neste período.

2.1 – A Doutrina da Presença Real de Cristo Na Ceia do Senhor
Como já vimos anteriormente, a idéia que a Ceia do Senhor é repetição do sacrifício expiatório de Cristo (o sacrifício da missa) começou a tomar forma na época de Gregório, o Grande. O pão e o vinho são o corpo e o sangue de Cristo. Como se deve entender isto exatamente? Especulações sobre esta questão ocuparam vários teólogos durante a primeira metade do século IX. As especulações aqui levantadas prepararam o terreno para a doutrina medieval posterior.
Pascásio Radberto apresentou a doutrina da presença real em termos inequívocos: depois da consagração, existe apenas o corpo e o sangue de Cristo, embora sob a forma de pão e vinho. O corpo que é dado é o mesmo que nasceu da virgem Maria, que sofreu na cruz e ressuscitou dos mortos. A modificação que ocorre nos elementos resulta do poder criador da Palavra onipotente. É obvio que isto se realiza de maneira misteriosa, e até certo ponto, figurativa, uma vez, que os elementos retêm sua forma externa.
Pascásio chegou a crer que o aspecto simbólico se restringe ao que é perceptível e puramente externo: os elementos visíveis e seu recebimento por parte dos comungantes. Mas o que é percebido internamente, a entrega do corpo e sangue de Cristo, é realidade. Pela influência da Palavra e do Espírito, o pão torna-se o corpo de Cristo e o vinho torna-se o sangue de Cristo.
Pascásio embora não tenha rejeitado plenamento a posição agostiniana com sua interpretação simbólica; ele ressaltou a transformação ocorrida nos elementos como o aspecto essencial.
As idéias de Pascásio deram contribuíram significativamente para a construção da teologia da transubstanciação.  

2.2 – A Doutrina da Penitência na Primeira Parte da Idade Média
Na igreja antiga, penitência significava a readmissão na comunhão da igreja dos que tinham caído em pecado manifesto após o batismo. Era ato público, que só podia ser realizado uma vez. De início, acreditava-se que pecados graves como adultério, assassinato ou apostasia estavam excluídos, mas eventualmente sua validez foi estendida para também cobrir esses pecados. Esta forma de penitência foi mantida até o fim do século VI.
Na Igreja Celta, que em muitos sentidos preservou seu caráter peculiar, a forma pública de penitência era desconhecida. Por outro lado, a forma privada, composta de confissão ao sacerdote, satisfação e readmissão à comunhão da igreja, chegou a existir.
Fazer penitência podia incluir jejum e orações, dar esmolas, viver em abstinência, e assim por diante. A forma mais severa era o exílio de permanente. Algumas das formas mais prolongadas de penitência podiam ser reduzidas se o penitente guardasse uma vigília, recitasse continuamente os Salmos, ou fizesse outra coisa difícil. A possibilidade de “redenção” também era reconhecida: uma forma de punição podia ser substituída por outra, ou uma pessoa podia até mesmo comprar os serviços de outra que faria a penitência por ela, conforme manuais eclesiásticos datados do século VI.
Missionários celtas e anglo-saxões levaram esta forma de penitência ao continente, onde foi gradualmente aceita sem qualquer oposição. Manuais de confissão francesa datando da segunda metade do século VIII adotaram os regulamentos celtas.
A forma céltica de penitência continuou a crescer em popularidade, e chegou a formar a base da nova praxe da penitência na Igreja Católica Romana.
A penitência nesta forma implicava em contrição, confissão e satisfação. 
·        A contrição era ressaltada, o pecador devia estar arrependido.
·        A confissão se tornou obrigatória até mesmo para pecados menos graves. O Quarto Concílio Laterano de 1215 prescreveu que a confissão deve ser feita no mínimo uma vez ao ano.
·        A satisfação era dada pela absolvição do sacerdote ao pecador. O ato público de reconciliação foi substituído pela absolvição do sacerdote.

Desde o início, o emprego do confessionário relacionou-se com o ofício do sacerdote e seu poder de ligar e desligar. O sacerdote podia “ligar” (continuava devedora) uma pessoa ou excomungando ou ainda lhe prescrevendo outra espécie de penitência. O sacerdote “desligava” uma pessoa concedendo-lhe a absolvição. Como resultado disso, o confessionário tornou-se o mais importante meio de exercer disciplina na igreja, o vínculo mais forte entre sacerdote e povo.


3 – A IGREJA ORIENTAL TORNA-SE ORTODOXA ORIENTAL
A igreja ocidental que se tornou católica romana sempre se considerou, também, ortodoxa romana. A igreja oriental que se tornou o que hoje chamamos de ortodoxa oriental sempre se considerou, também, católica oriental. Desde 1054, cada uma se considera a única e verdadeira Grande Igreja que é católica e ortodoxa. Uma vê a outra como grupo cismático que não é totalmente católico nem totalmente ortodoxo.
A igreja oriental também teve um personagem que se impôs da mesma maneira que Agostinho, seu nome era Orígenes.

3.1 – A Influência Permanente de Orígenes
Embora Orígenes e o origenismo fossem condenados pelo quinto concílio ecumênico em Constantinopla em 553, continuaram poderosamente influentes no pensamento cristão oriental.
O origenismo marcou a igreja oriental e sua teologia com um conceito fortemente sinergístico da salvação, que enfatiza o livre-arbítrio em cooperação com a graça, e a doutrina racional-mística de Deus que enfatiza a inefabilidade e imutabilidade de Deus. A soteriologia de Orígenes concentra-se na idéia da encarnação salvífica, na qual o Logos, ao se tornar humano em Cristo, transforma a própria criação, vencendo o pecado e a morte.
Duas grandes controvérsias e três grandes teólogos desempenharam papéis cruciais especialmente no desenvolvimento da ortodoxia oriental com um ramo da teologia cristã, distinto do catolicismo romano. As controvérsias foram a monotelista e a iconoclasta. Os três teólogos foram João Crisóstomo, que recebeu a alcunha de o Boca de Ouro por sua grande habilidade homilética, Máximo o Confessor, que foi martirizado por um imperador bizantino por causa de sua oposição inflexível ao monotelismo, e João Damasceno, que proveu um grandioso sumário da fé ortodoxa e defendeu o uso de ícones (imagens santas) pela igreja no culto, contra aqueles que tentavam pribi-los.

3.2 – João Crisóstomo: o Boca de Ouro (349-406)
Crisóstomo foi contemporâneo de Agostinho. Nasceu em Antioquia, por volta de 349, em uma família relativamente abastada com certa posição social.
Embora as massas gostassem muito de suas pregações e ensinamentos, a reputação de Crisóstomo na elite cultural reinante em Antioquia nem sempre foi favorável, porque muitos dos seus sermões atacavam o consumismo exagerado e estilo de vida egoisticamente afluente desse grupo. Mesmo assim, era tão benquisto e respeitado por todos que, em outubro de 397, foi nomeado bispo de Constantinopla pelo imperador Teodósio I.
Uma vez instalado em Constantinopla como patriarca, João Crisóstomo iniciou uma campanha maciça para moralizar e reformar os clérigos e monges da cidade. Acreditava que o favoritismo do imperador e da corte imperial pelo cristianismo tinha ocasionado uma letargia moral e espiritual e que ele era chamado por Deus para moldar a igreja e reconduzi-la ao caminho certo.Começou quase imediatamente a pregar sermões poderosos na grande catedral contra, a predominância do imperador sobre a igreja – predominância esta que, no Ocidente, foi chamada de cesaropapismo. Declarou a independência dos bispos em relação à corte e condenou a prosperidade e opulência que coexistam com a mais abjeta indigência em Constantinopla. Além disso, ordenou aos monges e clérigos trabalhar, cuidar de seus rebanhos e deixar de viver luxuosamente às custas dos ricos que os patrocinavam.
Nem é preciso dizer que Crisóstomo rapidamente se tornou herói das massas indigentes e oprimidas, tanto cristãs quanto pagãs, que corriam para escutá-lo.
Embora Crisóstomo não tenha sido tanto um teólogo, não escreveu nenhum livro de teologia, ocupa um lugar de importância na história da igreja ortodoxa oriental, pois para a mesma “ o bom teólogo é aquele que ora e prega bem”.

3.3 – Máximo, o Confessor e o monotelismo (580-661)
Os monofisistas[3] eram cristãos que, sob a influência de Alexandria, acreditavam que a definição de Calcedônia realmente violava o espírito da doutrina da união hipostática, defendida por Cirilo de Alexandria. Entendiam que ela favorecia a idéia antioquiana de duas naturezas e duas pessoas em Cristo. Emoutras palavras, acreditavam que não era suficiente para excluir o nestorianismo[4].
Uma proposta aparentemente atraente para acabar com esse hiato foi o monotelismo, a idéia de que, embora Jesus Cristo fosse uma só pessoa integral com duas naturezas completas, porém inseparáveis, tinha uma única vontade: a divina. Os monotelistas e seus simpatizantes esperavam que esse acordo fosse reunificar a igreja, afinal, as partes não estavam cedendo tanto assim.
Máximo lutou combateu o monotelismo até o fim de sua vida, sendo executado por esse motivo. Sua luta contra o monotelismo e em favor do duotelismo – a crença em duas vontades naturais de Cristo – levou-o a Roma, onde tentou persuadir papas a tomarem uma posição firme contra os acordos defendidos pelos imperadores bizantinos.
Depois de recusar a retirar suas opiniões duotelistas e a fazer um acordo com os monotelistas, Máximo foi morto sob tortura por ordem do imperador em 13 de Agosto de 661.

3.4 – João Damasceno e a iconoclastia (nasceu + ou - 650 e morreu + ou - 750)
Os iconoclastas argumentavam que imagens de Cristo violavam o espírito da proibição bíblica da idolatria e deturpavam a cristologia.
João Damasceno é citado na história da teologia por várias contribuições, mas acima de tudo por ter fonecido o fundamento lógico e a justificativa teológica para o emprego de ícones na adoração. Por seus critérios em favor dos ícones, a igreja oriental encontrou a maneira de reinstituí-los sem implicar idolatria.
João passou a justificar o uso de ícones na adoração ao fazer a distinção sutil, porém importante, entre a adoração propriamente dita de uma pessoa ou objeto e a mera veneração – um certo respeito por alguma coisa, por ser dedicada a Deus e permeada por sua energia espiritual.
A maneira de João enxergar os ícones afetou profundamente o Segundo Concílio de Nicéia em 787, que foi o sétimo e último concílio ecumênico, segundo a ortodoxia oriental. Os bispos ali reunidos decidiram pela condenação dos iconoclastas.
João Damasceno também é conhecido como o último dos grandes pais da igreja da tradição ortodoxa oriental.

Embora a igreja ocidental, que considerava Roma seu centro, reconhecesse e aceitasse o sexto e o sétimo concílios ecumênicos e considerasse tanto Máximo quanto João Damasceno grandes expositores da fé, no fim do século VIII, os dois ramos da grande igreja separaram-se definitivamente por causa de diferenças na forma de governo, nos estilos de culto e nos conceitos do credo trinitariano.

Embora a igreja ocidental, que considerava Roma seu centro, reconhecesse e aceitasse o sexto e o sétimo concílios ecumênicos e considerasse tanto Máximo quanto João Damasceno grandes expositores da fé, no fim do século VIII, os dois ramos da grande igreja separaram-se definitivamente por causa de diferenças na forma de governo, nos estilos de culto e nos conceitos do credo trinitariano.
Vejamos algumas causas que levou ao Cisma de 1054.

3.5 – A Política e o Cisma
É claro que a política desempenhou papel importante nesse rompimento. Os imperadores bizantinos[1] de Constantinopla ainda consideravam seu reino o único império cristão verdadeiro, embora estivesse cada vez mais reduzido pelas constantes invasões dos muçulmanos. Eles e seus bispos entendiam que o Império Romano Cristão de Constantino, Teodósio e Justiniano ainda existia e devia incluir o Ocidente. Os papas de Roma, no entanto, confiavam cada vez mais nas tribos bárbaras cristianizadas, como os francos da Europa Central, para restabelecer o antigo Império Romano no Ocidente. No Natal de 800, um papa coroou o rei dos francos, Carlos Magno, como imperador do novo e revivificado Sacro Império Romano. O Imperador bizantino, no mínimo ficou consternado.

3.6 – A Teologia e o Cisma
Igreja Oriental (Constantinopla)
·        Permitia que os sacerdotes se casassem antes de serem ordenados. Somente os monges deveriam ser celibatários. Sacerdotes não poderiam se casar depois de consagrados, caso fossem ordenados estando solteiros.
·        Se apoiavam na teologia escrita por Ireneu, Orígenes, Atanásio, aos pais Capadócio, Cirilo, Máximo e outros teólogos orientais, de Constantinopla.
·        Insistia no livre-arbítrio e no conceito sinergista da salvação.
·        Não reconheciam a autoridade do papa ocidental – interpretavam a “pedra” que Jesus se refere(Mt 18.19) a fé de Pedro e não o próprio Pedro.
·        A controvérsia FILIOQUE à Não aceitavam a inclusão no Credo de Niceno do termo filioque (e do Filho). Diziam altera a doutrina da trindade. Criam numa certa superioridade de uma pessoa para outra, numa hierarquia das três pessoas divinas.
“Creio no Espírito Santo, Senhor, doador vida, e procede do Pai (e do Filho); e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado; que falou pelos profetas”.

Igreja Ocidental (Roma)
·        Defendia o celibato clerical universal.
·        Se apoiavam na teologia escrita por Agostinho, Gregório, etc.
·        Insistia na soberania exclusiva da graça e admitia um monergismo modificado.
·        Não aceitavam que o imperador interferisse no governo da igreja. Diziam que a igreja do oriente possuía um cesaropapismo, isto é, “César é o papa”.
·        A controvérsia FILIOQUE à Aceitavam a inclusão do termo “e do Filho”, embora não soubessem como a mesma surgiu. Acreditavam que o Espírito Santo era a pessoa divina que transitava entre o Pai e o Filho.



[1] O Impero Bizantino - sob Justiniano I, considerado o último grande imperador romano, albergava Cartago e áreas nos atuais Marrocos, sul da península Ibérica, sul da França, Itália, bem como suas ilhas, península Balcânica, Anatólia, Egito, Oriente Próximo e a Crimeia, no mar Negro.
Tradicionalmente, era conhecido apenas como Império Romano do Oriente (devido à divisão do Império feita pelo imperador romano Tedósio I, no século IV da Era Cristã).


 


[1] Quando Lutero se filiou ao mosteiro agostiniano buscando um Deus gracioso, foi-lhe ensinada a versão do agostinismo ensinada por Gregório. Ficou perturbado com a idéia de um Deus irado e impossível de se agradar. Experimentou a autoflagelação para castigar-se pelos próprios pecados e completar a obra de Cristo em seu favor através do auto-sacrifício. Chegou a odiar, mais do que amar, a Deus. Foi então que teve sua grande “experiência na torre”, percebendo que a auto-suficiência da graça e eficácia da fé eram bastantes para se receber o perdão. Deixou de tentar de ser o penitente perfeito de Gregório e confiou na graça, encontrando respaldo na declaração bíblica de que o “justo viverá pela fé”. Em grande medida a teologia protestante de Lutero foi uma reação contra a doutrina da salvação ensinada por Gregório.
[2] O Império Carolíngio, também conhecido como o Império de Carlos Magno, foi o momento de maior esplendor do Reino Franco (ocupava a região central da Europa). Este período ocorreu durante o reinado do imperador Carlos Magno (768 – 814).
Com uma política voltada para o expansionismo militar, Carlos Magno expandiu o império, além dos limites conquistados por seu pai, Pepino, o Breve. Conquistou a Saxônia, Lombardia, Baviera, e uma faixa do território da atual Espanha.
Embora as conquistas militares tenham sido significativas, foi nas áreas cultural, educacional e administrativa que o Império Carolíngio demonstrou grande avanço. Carlos Magno preocupou-se em preservar a cultura greco-romana, investiu na construção de escolas, criou um novo sistema monetário e estimulou o desenvolvimento das artes. Graças a estes avanços, o período ficou conhecido como o Renascimento Carolíngio. 

[3] Monofisismo (em grego monos - "um, único" - e physis - "natureza") - é a posição cristológica de que Cristo tinha apenas uma natureza, sua humanidade tendo sido absorvido pela divindade.
[4] Nestorianismo – é a posição cristológica de que Cristo tinha duas naturezas humana e divina (vagamente unidas). Maria concebeu o Cristo homem que mais tarde passou a ser Deus.

4ª PARTE
FASE INICIAL DA ESCOLÁSTICA
1 – Considerações Gerais
Dentro do contexto da história do dogma, o termo escolástica refere-se à teologia que tomou forma nas universidades ocidentais, principiando em meados do século XI, alcançando seu apogeu no século XIII, e deteriorando na Baixa Idade Média, sendo finalmente destruída pelo humanismo e pela Reforma.
O caráter distintivo da escolástica foi seu emprego do método filosófico. Os escolásticos empregaram o sistema dialético herdado da antiguidade e introduzido na filosofia ensinada nas escolas e nas universidades que floresceram na Idade Média sob a proteção da igreja e dos mosteiros.
Expressões como “escolástica” e “escolasticismo” são frequentemente usadas para designar uma espécie de teologia formalista e estéril, cuja exposição é confundida e embaraçada pela inclusão de distinções desnecessárias e racionalização vazia. Todavia, como avaliação geral da escolástica da Idade Média, este conceito é falso. A escolástica medieval por vezes degenerou, é verdade, mas em seus melhores momentos representou atividade séria, em que problemas teológicos forma hábil e energicamente estudados.
A avaliação habitual da escolástica frequentemente é influenciada pela critica do humanismo e da Reforma.
Dois fatores especialmente, contribuíram para o desenvolvimento da escolástica: a renovação da igreja, de um lado, que se exprimiu na reforma monástica, e por outro lado, a crescente associação com a educação filosófica da época. A fé estava em busca da inteligência, isto é, fé desejava andar de mãos dadas com a razão.

1.1 – A Ceia do Senhor
• Berengário de Tours (m. 1088) - protestou contra a crescente aceitação da idéia que os elementos são transformados pelas palavras da consagração (contra a transubstanciação). Defendeu a posição Agostiniana.
• Lanfranc (m. 1089, arcebispo de Cantuária)  Grande defensor da transubstanciação.
• Neste período se afirmava também a posição da consubstanciação. A consubstanciação ou impanação sustentava que os elementos retêm suas características externas e também sua própria substância natural, enquanto servem, ao mesmo tempo, de portadores da presença de Cristo.
• A doutrina da transubstanciação foi subsequentemente estabelecida pelo papa Inocêncio III no Quarto Concílio Laterano de 1215.

1.2 – A Controvérsia Entre o Nominalismo e o Realismo
• Nominalismo - Sustentava que os conceitos universais do homem nada são além de figuras de palavras ou nomes, que usamos para identificar o que é comum a vários objetos da mesma categoria.
o Ex.: Uma mesa. A mesa é um objeto real. Mesa é o nome dado para identifica este objeto de 4 pernas (geralmente), com uma plataforma plana em cima das pernas.
o Essa posição filosófica contradizia a doutrina da Igreja sobre a Trindade. A palavra “Trindade” é o nome dado a um objeto que não pode ser distinguido (não pode ser bem definido), nem suas qualidades o podem ser. Portanto sua existência não era aceita pelos nominalistas. Para estes ou existia somente um Deus sem distinguir as três pessoas ou três deuses.
• Realismo - Os conceitos que não são percebidos pelos sentidos, mas que são formados por nossos poderes racionais, representam algo real, uma espécie mais elevada de realidade, que só a razão entende.
o Anselmo foi o grande defensor do realismo. Ele afirmava que Deus não existe apenas na inteligência, mas também na realidade. Anselmo desenvolveu uma linha de pensamento sobre essas bases, chamados de argumento ontológico, que foi retomada por René Descartes e criticada por Immanuel Kant, e ela estava numa obra chamada Proslógio. Ele parte do fato de que o homem encontra no mundo muitas coisas, algumas boas, que procedem de um bem absoluto, que é necessariamente existente. Todas as coisas tem uma causa, menos o ser incriado, que é a causa de si mesmo e fundamenta todos os outros seres. Esse ser é Deus. Seus argumentos não foram totalmente aceitos.
• Pedro Abelardo (1079-1142) - Este tinha uma posição intermediária, com relação a realidade dos universais. Abelardo distinguia entre conceitos como meros complexos de sons (vocês) de um lado e como designações da realidade do outro (sgna0. Entidades às quais os conceitos servem de sinais não existem fora das coisas como substâncias independentes. Mas, ao mesmo tempo, pode-se atribuir realidade definida aos conceitos universais: existem antes das coisas, como padrão do projeto na mente de Deus. Além disso, existem nos objetos individuais como sua forma ou substância. E como designações daquilo que é comum a vários indivíduos existem em nossa mente. Esse realismo modificado foi posteriormente adaptado por Tomás de Aquino, que expressou sua posição na fórmula “universais antes das coisas, nas coisas e depois das coisas”.
o Ex.: Uma cadeira. A palavra “cadeira” expressa um som, mas que pode não definir uma cadeira para aqueles que não conhecem esse objeto. Neste caso você tem um mero complexo de som.
A palavra “cadeira” pode expressar um objeto real para aqueles que já tiveram contato com este objeto. Neste caso você tem a designação (uma indicação) da realidade.
Para Abelardo “a cadeira” já existia na mente de Deus antes do homem fabricá-la. “A cadeira” existe no mundo hoje como realidade. “A cadeira” existe em nossa mente como realidade concreta.

1.3 – O Desenvolvimento do Método Teológico
Considerada de certo ponto de vista, a escolástica foi uma maneira independente de lidar com a tradição teológica herdada do passado. Como já foi visto, esta nova exposição teológica foi feita com o auxílio da filosofia, usada de uma ou de outra maneira. Não houve desenvolvimento na Igreja Oriental que, em sua maior parte, contentou-se em preservar as decisões dogmáticas dos pais eclesiásticos.
Anselmo de Cantuária, mais que qualquer outro, foi responsável pelo desenvolvimento escolástico da tradição herdada.
Anselmo procurou avançar da fé ao conhecimento dos mistérios da fé. Desejava empregar os poderes da razão, tanto quanto possível, em seu exame das bases racionais da verdade revelada. De maneira simples, Anselmo, fazia uma leitura bíblica levando em conta uma leitura racional e lógica da verdade revelada.
Pedro Abelardo também exerceu influência poderosa na formação do método teológico. Foi ele quem introduziu o método dialético, que era a ousada tentativa de combinar autoridade e razão, fé e erudição independente. Abelardo partia do fundamento que fé e razão não podem contradizer-se, uma vez que se originam na mesma fonte – a verdade divina. De maneira simples, Abelardo, colocava a Palavra de Deus em confronto com as “verdades universais” e com outras fontes cristãs.
Pedro Lombardo (m. 1160) combinou a adaptação meditativa da tradição fornecida por Anselmo e pelos representantes da escola de S. Vitor com o método dialético de Abelardo.
Com respeito às várias questões de pormenores que são citadas a favor e contra, da Bíblia e dos pais eclesiásticos, Lombardo procurou, com o auxílio do método dialético, demonstrar como tais afirmações contraditórias podiam ser trazidas a um acordo.

1.4 – Fé e Razão
Anselmo, tal como Agostinho antes dele, com respeito à relação entre fé e razão, representava aquela posição que comumente se caracterizava pela expressão: “creio para que possa compreender” (credo ut intelligam). Os que seguem esta corrente enfatizam que a fé é o pressuposto para a percepção racional da verdade revelada. Agostinho assim o expressou: “compreender é a recompensa da fé”.
Neste conceito teologia e filosofia podem ser harmonizadas. Aquilo que forma o conteúdo da fé, e que o homem entende pela fé, também pode ser entendido pela razão – ao menos até certo ponto. A fé e os princípios da razão não são antitéticos. É a tarefa da teologia apresentar o conteúdo da fé de tal maneira que possa ser entendido e compreendido. Por essa razão, segundo Anselmo, a teologia deve seguir princípios filosóficos e utilizar da lógica. Contudo é a fé que tem a primazia, pois o homem não chega a fé através da razão, mas compreende através da fé.
Abelardo, embora concordasse que a fé e razão podiam andar lado a lado, diferentemente de Anselmo, acreditava que a vontade do conhecer tinha primazia sobre a fé.

1.5 – A Teoria da Expiação Segundo Anselmo
Anselmo não pretendeu simplesmente fornecer uma interpretação teológica da obra de Cristo, mas demonstrar que a doutrina da encarnação e a da expiação realizada pela morte de Cristo são apoiadas pela lógica.
A doutrina da satisfação na teoria de Anselmo tem seu fundamento na cosmologia e na história da salvação. Anselmo cria que Deus, em sua sabedoria e amor, decidira desde a eternidade estabelecer um reino de seres racionais, obedientes a sua vontade e que estes vivessem debaixo de seu governo. Quando os seres angelicais cairam, Deus criou os homens para substituir os anjos caídos. Quando o homem se afastou de Deus por um ato de desobediência, todo o plano para o universo foi pertubado. A honra de Deus foi atacada, essa deveria ser restaurada e o homem punido por sua ofensa.
Segundo Anselmo o plano de Deus não poderia deixar de ser cumprido e a honra de Deus deveria ser restaurada. O homem não tinha condições de honrar a Deus e nem restaurar o plano concebido na eternidade. Caso o homem fosse punido com a destruição, o plano de Deus seria frustrado. Restava, à Deus, somente providenciar um remédio (satisfação).
O homem é incapaz de realizar tal satisfação. O homem fora criado para obedecer e servir a Deus fielmente. Tudo que o homem fizesse é apenas dever de sua parte. O pecado exigia algo maior do que apenas obediência, uma vida plenamente justa. Somente Deus poderia pagar a exigência do pecado. Contudo somente outro homem deveria pagar o preço exigido pelo pecado para honrar novamente ao seu criador. O homem foi o causador, portanto o homem deveria pagar o preço de seu erro.
Esta satisfação foi feita, segundo Anselmo, não mediante a vida de Cristo, pois sua obediência era apenas aquilo que devia a Deus, mas antes por intermédio de sua morte. Cristo não estava sujeito à morte, mas sujeitou-se voluntariamente a ela, adquirindo desta maneiro o mérito que para todo o sempre remirá os pecados de todos os homens.
A teoria de expiação de Anselmo desenvolveu o ponto de vista jurídico (ou forense). A expiação é satisfação vicaria, que de modo superabundante remiu a culpa de todos os homens e assim restaurou a honra ofendida de Deus.
   
 5 ª PARTE
1 - A ALTA ESCOLÁSTICA
O desenvolvimento da escolástica atingiu seu apogeu durante o século XIII.
O avanço geral da ciência e da erudição formou a base para as realizações teológicas desta época. A Universidade de Paris, que se tornou baluarte internacional para a educação teológica, substituiu as escolas catedrais de Paris do século XII. As duas ordens mendicantes, a dominicana e a franciscana, fundadas no início do século XIII, também muito fizeram para promover o estudo teológico erudito. Os principais teólogos da época associaram-se a estas ordens. O conhecimento crescente da filosofia neoplatônica e, acima de tudo, a aristotélica, que então tornou-se acessível contribuíram significativamente para o desenvolvimento doutrinário da alta escolástica.
Antes disso, o conhecimento ocidental de Aristóteles limitava-se a seus trabalhos no campo da lógica, mas no século XIII seus outros escritos também se tornaram conhecidos. Os teólogos descobriram, sobretudo na metafísica e ética de Aristóteles, vários pontos de vista e definições que podiam ser úteis a sua abordagem científica a questões doutrinárias.
Na alta escolástica a filosofia, em relação ao conhecimento obtido pela fé, recebeu posição diferente da que os primeiros escolásticos lhe tinham atribuído. Os primeiros escolásticos empregaram o método dialético na discussão das verdades da fé, a fim de, por assim dizer, demonstrar sua necessidade lógica a posteriori. Na alta escolástica, a adaptação racional tornou-se mais independente em relação à Fe. A cosmovisão metafísica chegou a constituir a base de toda a exposição teológica. A fé formava a superestrutura do conhecimento natural tomado do sistema metafísico de Aristóteles.

1.1 – Agostinianismo (neoplatonismo) X Aristotelismo
Embora a teologia da escolástica, em geral, não cultivasse um ponto de vista especifico, preferindo sintetizar os elementos das diversas fontes, podemos, contudo, discernir duas correntes predominantes a dos Agostinianos (que tinha uma forte influência neoplatônica) e a dos aristotélicos (teólogos influenciados pelos pensamentos de Aristóteles).
A corrente agostiniano-neoplatônica estava representada acima de tudo pelos franciscanos mais antigos, enquanto que os teólogos da ordem dominicana aproximavam-se mais do ponto de vista aristotélico. Mas não há linha demarcatória nítida: os que perpetuaram a tradição agostiniana também se devotaram em certa medida aos novos conceitos aristotélicos; ao mesmo tempo, havia dominicanos que utilizavam muito da herança agostiniana.
Tomás de Aquino, o mais destacado dos teólogos, na realidade reuniu pontos de vista agostinianos e aristotélicos. Como filósofo, entretanto, Tomás aproximava-se mais de Aristóteles do que de conceitos puramente agostinianos.
A incorporação do aristotelismo na teologia cristã pressupunha a rejeição de certos conceitos emitidos pelo filósofo pagão e seus comentadores, uma vez que eram contrários ao cristianismo. Para poderem fazê-lo e simultaneamente sustentarem os pontos fundamentais da fé cristã, estes homens se refugiavam na teoria da verdade dupla: o que é verdadeiro na filosofia pode ser falso na teologia e vice-versa.

1.2 – Diferenças entre o agostinianismo-platônico e o aristotelismo:
• A posição agostiniana-neoplatônica baseava-se na idéia que o conhecimento intelectual pode ser essencialmente derivado de “iluminação” imediata. O homem participa do pensamento divino, e seu intelecto, portanto, possui dentro de si mesmo a capacidade de criar percepção. Coisas externas não são a causa direta de nosso conhecimento; apenas fornecem os impulsos que levam o indivíduo a formar o conhecimento. Denomina-se essa teoria de iluminação, que também é significativa para a compreensão da fé.
o Ex.: O homem crê a partir de uma iluminação interior.
• A posição aristotélica baseava-se na idéia que o homem recebe o conhecimento de fora. Em sua relação com o mundo exterior, o intelecto é passivo, e possui a capacidade de receber a forma das coisas como species intelligibiles, que são transformadas passando de coisas ao intelecto através de impressões sensoriais. “Nada há no intelecto que antes não tenha estado nos sentidos”. Essa posição inclui maior interesse empírico e acentuado sentido de realidade tangível. Isto também tem sua importância na teologia.
o Ex.: O homem crê a partir de uma experiência exterior ou de um conhecimento adquirido.
• Antropologia agostiniana afirmava que a alma do homem era uma entidade independente, isto é, não esta ligada ao corpo.
• Antropologia aristotélica afirmava que a alma e o corpo era uma unidade.
• A escola agostiniana / franciscana era voluntarista, isto é, a vontade era considerada o fator decisivo, governando de maneira soberana as ações das pessoas.
• A escola aristotélica era intelectualista, isto é, o intelecto é que governa o homem. O intelecto influência a vontade, de modo que a vontade deseja o que o intelecto considera bom.

1.3 – Os Primeiros Franciscanos (Agostinianos-neoplatônicos)
• Alexandre de Hales (m. 1245, o primeiro franciscano a ensinar na Universidade de Paris) foi o fundador da alta escolástica autêntica.
• Boaventura (m. 1274, contemporâneo de Tomás de Aquino, e como ele, professor em Paris) relacionava-se intimamente com seu predecessor, Alexandre de Hales, e com a tradição agostiniana. Boaventura e seus seguidores foram, até certo ponto, adversários de Tomás de Aquino e dos tomistas.
• Duns Scotus (m. 1308, professor em Oxford e Paris).

1.4 – A Escola Dominicana (aristotélica)
• Alberto Magno (m. 1280, nascido em Würtemberg) legou à posteridade enorme quantidade de obras que dão testemunho de sua erudição universal.
• Tomás de Aquino (m. 1274, com apenas 50 anos de idade; professor em Paris e por algum tempo na cúria papal e em Nápoles, filho de destacada família italiana) levou o escolasticismo ao seu apogeu. Sobrepujou Alberto como sistemático, e também obteve sucesso na integração dos novos conceitos aristotélicos e da tradição cristã numa união orgânica.

2 - TOMÁS DE AQUINO
Veremos algumas doutrinas segundo o ponto de vista de Tomás de Aquino
• Doutrina do conhecimento de Deus - Básica para todo o sistema tomista é a convicção que o intelecto humano está em concordância com a essência das coisas e que, no processo de conhecer, a mente do homem se identifica com as coisas e participa de sua essência.
Assim acontece que a possibilidade de conhecer o homem a Deus como o Ser mais elevado e como o fundamento de toda a realidade se encontra na capacidade do intelecto de entender a natureza das coisas. O homem não pode, naturalmente, entender a natureza absoluta de Deus, que é infinitamente superior às coisas criadas. Mas, apesar disso, há uma conexão entre o Ser absoluta e o mundo criado – ambos existem.
Em virtude do nosso mundo criado, portanto, podemos chegar a algum conhecimento de Deus.
Para Tomás há outra maneira, também, de se conhecer a Deus, mais elevada que a razão (conhecimento por meio da criação) que não pode ser alcançada pela especulação metafísica. Este é o conhecimento de Deus que vem ao homem através da revelação. Deriva-se diretamente de nosso conhecimento de Deus, e é acessível ao homem mediante a luz da graça.
É este conhecimento sobrenatural de Deus que é o verdadeiro assunta da teologia, segundo Tomás. Ele rejeitava a idéia do conhecimento imediato, congênito de Deus, isto é, do conhecimento que vinha simplesmente pela fé interior, uma iluminação sem base alguma.
• Teologia e Ciência - Na opinião de Tomás, teologia é uma ciência. Ao mesmo tempo, é diferente do conhecimento racional, uma vez que o conteúdo da fé é inacessível à razão e só pode chegar ao homem por meio da revelação e da luz da graça. A razão é incapaz de perceber o fundamento da verdade revelada, mas a fé o aceita com base na autoridade divina. Contudo ela é ciência por que pode ser provada através das experiências das pessoas e da criação. Segundo Tomás uma ciência mais “elevada”.
o Duns Scotus rejeitava a idéia de que a teologia era uma ciência. Para ele a ciência trata do universal, daquilo que as coisas têm em comum, de leis e princípios universais. A teologia, por sua vez, trata da revelação de Deus, que inclui, entre outras coisas, as obras especificas da salvação, às quais a Escritura dá testemunho.
• Doutrina da expiação - Tomás de Aquino associava a doutrina da expiação aos sacramentos. Através de seu sofrimento que incluía toda sua vida terrena e não apenas sua morte, Cristo obteve mérito suficiente para contrabalançar os pecados de todos os homens de todos os tempos. Esse mérito é transferido aos fiéis através dos sacramentos, que trazem até nos os dons da graça.
o Duns Scotus também relacionava a salvação com o sofrimento de Cristo, mas essa relação, como ele a via, existe apenas porque Deus aceitou o sacrifício de Cristo como substitutivo para compensação humana. Tudo depende, em última análise da livre aceitação de Deus (vontade domina). Tal posição afasta-se muito da idéia da necessidade racional da expiação como apresentada por Anselmo.

3 - A DOUTRINA DA GRAÇA NA ALTA ESCOLÁSTICA
Como resultado da obra expiatória de Cristo, o plano de Deus para a salvação da humanidade entrou em ação. Através da predestinação, Deus escolheu aqueles que crêem em Cristo para serem libertados do pecado e para alcançarem a bem-aventurança e a vida eterna. Isto acontece na justificação e no decurso da obra permanente da graça na vida do homem. A vida na igreja, sob a influência da Palavra e da graça sacramental é, portanto, uma continuação da obra expiatória de Cristo, e a execução no tempo do decreto eterno da predestinação.
Que é graça? É o favor de Deus dado aos homens.
• Graça incriada (gratia increata)  Diz respeito a vontade eterna amorosa de Deus. O presente ou favor que surge da realidade do próprio Deus, pois ele é amor. Esta além do homem.
• Graça criada (gratia creata)  aquela graça que vem ao homem como dádiva e, por conseguinte, prepara o caminho para a salvação humana. Inclui tudo aquilo que Deus dá ao homem gratuitamente.
o Graça infusa - que realiza a justificação e produz boas obras.
o Grata grata data - Graça dada livremente ao homem, sem envolver a questão do mérito. Graça essa que conduz o homem a salvação, mesmo o homem natural (sem Cristo).
• Graça Sacramental - O favor de Deus advindo por meio dos sacramentos. Através da graça sacramental se recebe a graça justificante, que é um habitus infuso. Esse habitus eleva a natureza do homem a um nível mais alto. Essa graça infusa altera a direção da vontade do homem para Deus e torna possível tanto a fé genuína como o espírito de arrependimento, que é motivado, não pelo temor à punição, mas pelo amor a Deus. A graça sacramental é recebida primeiramente pelo batismo, mas também pelo penitência e pela Ceia do Senhor. A graça uma vez perdida pode ser reconquistada pela penitência.
A proclamação da Palavra, ou evangelho, ocupa lugar relativamente obscuro no plano da salvação. Apenas providencia o conhecimento necessário para se receber a graça sacramental, e com ela a justificação. A ênfase principal recai sobre os sacramentos.
O evangelho é apresentado como nova lei, que não apenas ordena, mas também confere o poder necessário para se poder cumprir com seus mandamentos. Mas esse poder não é fornecido pela própria Palavra; vem através dos sacramentos instituídos por Cristo.

4 - A ALTA ESCOLÁSTICA E OS SACRAMENTOS
A escolástica aos poucos formulou o ponto de vista geralmente aceito na Igreja Católica Romana. Principiando com Pedro Lombardo, julgou-se haver sete sacramentos:
1. Batismo
2. Confirmação
3. Ceia do Senhor
4. Penitência
5. Extrema Unção
6. Ordenação
7. Matrimônio

Todos os sacramentos eram considerados portadores da graça que resultara do sofrimento substitutivo de Cristo. Os sacramentos manifestam esse sofrimento de várias maneiras, e transmitem seu poder de curar e sua influência criadora aos membros da igreja.
Tomás acreditava que a graça na só se relaciona “moralmente” ao uso externo dos sacramentos, mas também está “fisicamente” incluída neles. Segundo essa teoria, os sacramentos não são simplesmente sinais da graça que Deus outorga de maneira invisível, mas são em sentido real a causa da comunicação da graça. Acreditava, portanto que a ação sacramental é por si mesma eficiente, independente da fé nas palavras da promessa.


6ª PARTE

A FASE FINAL DA ESCOLÁSTICA
1 – O Ocamismo
O nominalismo da Baixa IdadeMédia, que deve ser distinguido da escola anterior de nome igual, foi fenômeno sem paralelo na história da teologia.
O Fundador e principal representante desta escola foi Guilherme de Occam (professor em Oxford; acusado de heresia e citado a Avignon, onde foi mantido em custódia por quatro anos; mais tarde ensinou em Munique, onde foi protegido pelo imperador da Bavária; faleceu em 1349).
Occam reexaminou o problema dos universais que tinha sido tema importante de debate para os primeiros escolásticos. Occam rejeitou o realismo de Tomás de Aquino e fez reviver a posição nominalista, que afirmava que apenas o individual possui realidade.
A tarefa da ciência é investigar conceitos em seu contexto e suas relações. Como resultado, a lógica era a ciência básica na opinião dos ocamistas, enquanto que a metafísica devia ser abolida.
Occam desenvolveu sua espistemologia principalmente para tratar do problema do conhecimento teológico. Sua crítica se dirigia contra a assim chamada prova da existência de Deus. Negando a realidade dos universais, a prova cosmológica de Tomás de Aquino caía por terra. Pois esta, como se viu acima, pressupunha que podemos perceber a existência de Deus devido a nosso conhecimento do elemento universal das coisas que vemos. Para Occam, Deus, no seu sentido mais próprio, é algo individual. A metafísica, pode, naturalmente demonstrar de outras maneiras a existência de um ou de muitos deuses, mas a reivindicação que Deus é um só e o fato que é infinito, devem ser considerados confissões de fé e nada mais.
O que se disse até agora ilustra a concepção ocamista da relação entre teologia e filosofia. Diversamente de Tomás de Aquino, Occam não considerava a teologia uma ciência. Suas proposições não podem ser elucidadas por meios lógicos; como artigos de fé, têm seu único apoio nas Escrituras.
Os nominalistas julgavam, em princípio, que a Escritura é a única autoridade. Alguns até mesmo tentaram citar suas doutrinas em oposição ao papa e outras autoridades eclesiásticas. Embora não concordassem com a igreja a maioria não lutava contra ela, evitavam um confronto direto e aberto, preferiam aderir estritamente à posição dogmática da igreja. As exceções a essa posição se fez por meio de João Wiclif e João Hus.

1.1 – Nomes de Nominalistas da Baixa Idade Média
• Guilherme de Occam – faleceu em 1349.
• Pedro d´Ailly – m. 1420 – cardeal ativo nos concílios de reforma.
• Gabriel Biel – m. 1494 – professor em Tübingen.
• João Wiclif – m. 1384 – criticou severamente a autoridade papal e a igreja medieval. Apenas Cristo é o cabeça da Igreja, dizia. Originou-se como nominalista, mas no fim adotou a posição realista.
• João Hus – m. 1415 – Defendeu as idéias de Wiclif, cuja atividade resultou em movimentos de oposição de grande repercussão na Boêmia.
• Jean Gerson – m. 1429 – estava incluído entre os autores medievais com que Lutero concordava em muitos pontos.
A Reforma Protestante não foi simplesmente uma continuação da oposição da Baixa Idade Média à Igreja Católica Romana. Foi, antes, uma renovação de natureza muito mais profunda e de conseqüências bem maiores.

2 - OS MÍSTICOS MEDIEVAIS
O misticismo medieval tinha suas origens na teologia agostiniana e na piedade monacal. Bernardo de Claraval (m. 1153) foi a primeira personalidade medieval a desenvolver o misticismo como posição teológica original. Bernardo baseava sua teologia na crença que o homem Jesus é Senhor e Rei. Meditações sobre a vida terrena de Jesus, e particularmente sobre seu sofrimentos constituíam o centro do misticismo de Bernardo. Acima de tudo foi motivado pelo conceito de Jesus como noivo da alma, que derivou dos Cantares de Salomão. Entre os primeiros escolásticos que perpetuaram o ponto de vista místico encontravam-se Hugo e Ricardo ambos de S. Vitor.
É freqüente ouvir-se dizer que o misticismo e o escolasticismo foram adversários um do outro, mas a verdadeira relação entre ambos desafia esta conclusão.
Houve alguns escolásticos que eram dialéticos (por exemplo, Abelardo e Duns Scotus), enquanto outros fundiam teologia escolástica e misticismo em seus escritos como os teólogos de S. Vitor, já mencionados. Tomás de Aquino é outro exemplo disto. Seus livros no campo da teologia expressam experiências e sentimentos místicos. Há elementos no pensamento escolástico relacionados com o misticismo. Um teólogo franciscano que combinou misticismo e escolástica em alto grau foi Boaventura.
Durante a Baixa Idade Média formas místicas de piedade foram enconrajadas por certos elementos básicos da cultura da época.
Os místicos estavam acima de tudo interessados nos seguintes temas: a doutrina de Deus, os anjos, a alma do homem, e o significado dos sacramentos e dos atos litúrgicos.
O principal místico da Baixa Idade Média foi Meister Eckhart de Hochheim (m. 1327). O mais notável de seus seguidores foi João Tauler (m. 1361).

2.1 – Doutrinas do misticismo
• Deus – Deus é a unidade absoluta, além da complexidade da criação e mesmo além da Trindade. Descreveu a origem do mundo em parte como criação, e em parte como emanação. Tudo fora de Deus é nada. Deus é a única realidade. A criação sem Deus deixa de existir.
• Homem – A alma do homem ocupa terreno intermediário. A alma possui um núcleo divino nas profundezas de seu ser. O homem pertence a criação que é nada, dominada pelo mal.
• Cristo – Segundo Eckhart, é o protótipo da união de Deus com o homem. Como tal é o exemplo para todos os fiéis. Eckhart não colocou a cruz e a ressurreição no centro, mas antes a encarnação, em que esta união se manifestou.
• Salvação – O homem é salvo morrendo para o mundo e recolhendo-se dentro de si mesmo a ponto de poder unir-se com o divino. Isto acontece em três etapas: através da purificação, iluminação e união.
o Purificação – consiste de arrependimento, um morrer para a busca do pecado e o conflito contra a sensualidade.
o Iluminação – consiste na imitação dos sofrimentos e da obediência de Cristo. O melhor meio de conseguir isto é a contemplação dos sofrimentos de Cristo, o abandono da própria vontade e a busca em fazer a vontade de Deus. “A maneira mais rápida de se alcançar a perfeição é através do sofrimento. As meditações místicas muitas vezes se relacionavam com mortificações dolorosas, como se pode ver, por exemplo, nos escritos de Henrique Suso”. (Exemplo destas mortificações: abster-se de alimento por longo tempo, abster-se de tudo o que o dinheiro pode lhe oferecer, etc.).
o União da alma com Deus – consiste em o homem se tornar inteiramente livre das coisas criadas e de suas seduções, bem como de si mesmo. Cristo então nasce na alma, e o homem deseja o que Deus quer e se torna um com Ele. Em alguns casos essa experiência tinha natureza extática, ou então produzia visões que constituem o auge da vida do piedoso

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